O filme “Uma Noite de 12 Anos”, dirigido por Álvaro Brechner, é uma potente narrativa sobre a repressão brutal e a resiliência humana durante a ditadura uruguaia. A obra cinematográfica retrata a saga de três militantes dos Tupamaros — Mauricio Rosencof, Eleutério Fernández Huidobro e José Mujica — que foram mantidos em cárcere em condições desumanas por mais de uma década. A história se desenrola num contexto mais amplo de regimes autocráticos que proliferaram na América Latina durante o século 20, uma era marcada pela sede de poder e a subjugação das liberdades individuais.
O filme começa em 1973, quando a ditadura militar no Uruguai atinge seu ápice. Rosencof, Huidobro e Mujica são transferidos entre diversas prisões, um método utilizado para evitar a criação de laços entre prisioneiros e carcereiros, e para isolar aqueles considerados mais perigosos. A narrativa é um mergulho profundo na resistência psicológica e física desses homens, que enfrentaram torturas inimagináveis, desde o pau-de-arara até simulações de afogamento e choques elétricos.
Uma das cenas mais impactantes de “Uma Noite de 12 Anos” ocorre quando Huidobro é levado ao banheiro, mas permanece algemado ao cano da descarga, incapaz de se mover. O pedido de liberação das algemas percorre uma cadeia de comando burocrática e absurda, ilustrando a estupidez e a crueldade das ditaduras. A cena termina com a chegada do comandante, que, perplexo, abandona o local, deixando Huidobro constipado e acorrentado. Esse episódio tragicômico é uma pequena amostra da hediondez de uma tirania em seu estado mais cru.
Embora o filme se concentre na opressão e no sofrimento, ele também destaca a capacidade humana de resistir e manter a dignidade. Rosencof, Huidobro e Mujica não eram apenas vítimas passivas; antes da instalação da ditadura, eles eram membros ativos dos Tupamaros, um grupo guerrilheiro marxista-leninista fundado em 1963. Engajados em ações como saques de armazéns e roubos a bancos, eles buscavam redistribuir recursos aos mais necessitados, o que lhes conferiu uma aura de Robin Hoods modernos. Contudo, essa militância também os condenou a mais de 4.300 dias de prisão sob condições desumanas.
A figura de José Mujica se destaca não apenas no filme, mas na história contemporânea do Uruguai. Após ser libertado, Mujica continuou sua luta política e, em 2010, foi eleito presidente do país. Conhecido por seu estilo de vida humilde e suas políticas progressistas, Mujica doou a maior parte de seu salário e se recusou a se mudar para a residência presidencial, preferindo permanecer em sua chácara. No entanto, como muitos líderes carismáticos, ele não escapou de controvérsias, sendo acusado de envolvimento em contratos obscuros, embora nunca tenha sido provado.
O poder, como ensina a obra de Kafka mencionada na epígrafe do filme, tem o potencial de revelar a verdadeira natureza das pessoas. “Uma Noite de 12 Anos” é um testemunho poderoso da capacidade humana de resistir à opressão e de lutar por ideais, mesmo quando confrontada com as piores adversidades. A história de Rosencof, Huidobro e Mujica é um lembrete sombrio, mas necessário, dos horrores das ditaduras e da resiliência indomável dos que se opõem a elas.
“Uma Noite de 12 Anos” não é apenas um relato de sofrimento individual, mas também uma reflexão sobre o impacto devastador dos regimes autocráticos na América Latina. A trajetória de Getúlio Vargas no Brasil, por exemplo, oferece um paralelo histórico relevante. Vargas, que governou o Brasil por quinze anos sem nunca ter sido eleito até 1951, inspirou muitos líderes autocráticos na região. Após seu suicídio em 1954, figuras como Alfredo Stroessner no Paraguai, Fidel Castro em Cuba, e Augusto Pinochet no Chile seguiram o exemplo de Vargas, impondo regimes ditatoriais que suprimiram brutalmente as liberdades individuais.
No Uruguai, a repressão alcançou níveis extremos, mas também gerou figuras icônicas de resistência. Mujica, Rosencof e Huidobro simbolizam a luta contra a tirania, uma batalha que ressoa até hoje em muitas partes do mundo. Uma Noite de 12 Anos” é uma peça crucial para entender essa dinâmica de poder e resistência, oferecendo uma lente através da qual podemos refletir sobre o passado e aprender lições para o futuro.
Em última análise, o filme de Brechner é uma obra que não apenas documenta uma era sombria da história latino-americana, mas também celebra a indomável capacidade humana de lutar contra a injustiça. É um testemunho de coragem, resistência e a eterna busca por liberdade, temas universais que continuam a ressoar em nossa sociedade contemporânea.
Filme: Uma Noite de 12 Anos
Direção: Álvaro Brechner
Ano: 2018
Gêneros: Crime/Thriller
Nota: 9/10