A história real na Netflix que todo mundo deveria assistir para deixar a vida mais leve e acalmar a alma Divulgação / Bonniedale

A história real na Netflix que todo mundo deveria assistir para deixar a vida mais leve e acalmar a alma

Poucos são os privilegiados a poder tomar parte no que acontece de verdadeiramente relevante no mundo, e mais especiais ainda são os que compreendem a dimensão de cada passo dado rumo a determinada tendência e por quê. As derrotas, grandes e pequenas, estão na vida de todo aquele que ousa levantar-se da cama e enfrentar o mundo, sem garantia alguma, nem mesmo de que vá retornar para casa. Somos constantemente desafiados a encontrar motivos que ratifiquem nossa crença no existir, ignorando o abatimento que embrutece e resseca, e assim mesmo, fica sempre um travo do amargor de melancolia, avançando do céu nebuloso da reflexão para o pântano da dúvida imanente, acerca de qualquer um e aonde quer que nos leve o pensamento. 

Filmes de esportes têm o condão de acender no mais comum dos mortais a chama da vida que não deveria se apagar nem na tempestade mais inclemente, e é o que acontece em “The Long Game”. Baseado em “Mustang Miracle” (2010), o romance do texano Humberto G. Garcia, o filme do angelino Julio Quintana tira os véus de hipocrisia sobre a história de um grupo de mexicano-americanos que cansados da subjugação dos brancos puros, anglo-saxões e protestantes, cometem a heresia de procurar a sua turma e fundam seu próprio campo de golfe no Texas dos anos 1950. A referência mais imediata num contato ligeiro com o texto desenvolvido por Quintana, Paco Farias e Jennifer C. Stetson é “King Richard: Criando Campeãs” (2021), onde Reinaldo Marcus Green fala muito mais de um pai negro determinado a fazer das filhas as melhores num esporte elitista como o tênis, saindo de sua Cedar Grove natal, na Louisiana, sudeste americano, para se radicar na ensolarada (e muito mais auspiciosa) Compton, ao sul de Los Angeles, à procura de condições mais dignas, mas também para escapar do cerco da Klu Klux Klan, uma facção que se notabilizou por difundir ódio racial nos Estados Unidos, na ativa até hoje. Mas “The Long Game” vence por seus próprios méritos.

Quintana não é chegado a rodeios. A população de Del Rio nutre pelo presidente Dwight D. Eisenhower (1890-1969) uma adoração quase obsessiva, mas não suporta chicanos, que julgam piores que vira-latas. O Texas State High School está determinado a ganhar o campeonato de golfe de 1957, e se depender de Jeordano Bruno “J.B.” Peña (1913-1986), eles vão para as cabeças. O diretor elabora a alma delirantemente sonhadora de Peña, dando a Jay Hernandez material suficiente para que o ator componha um tipo pelo qual qualquer um tem simpatia de cara. O superintendente do colégio está convencido de que, a despeito de abjetas questões colaterais sobre origem, sangue, etnia e cor da pele, vai conseguir uma vaga no time mais importante da liga regional, graças à indicação de Frank, o amigo com quem serviu na Marinha interpretado por Dennis Quaid. Mas aqui o buraco é mais fundo.

Esticando-se um pouco a corda, Quintana conta a história verídica dos Mustangs, cinco caddies que não se resignam com o cerco xenófobo, juntam dinheiro, constroem um campo de golfe para chamar de seu e sobem ao lugar mais alto do pódio, calando a boca de muita gente. Se antes carregava a bolsa, os tacos e os discos, ou dava apoio moral aos golfistas, Joe, um pupilo antes desconfiado, mas que embarca com o treinador numa saga rumo ao quase impossível, é o contraponto perfeito para o personalidade sem freios de Peña, e Julian Works, como Hernandez, também sabe como mesmerizar uma plateia que se supõe bitolada em tacadas geniais. O segredo de “The Long Game” e do golfe é enxergar o que a vista não alcança.


Filme: The Long Game
Direção: Julio Quintana
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Biografia 
Nota: 8/10