Juntos, Alexander Payne e Paul Giamatti podem ser um completo desastre ou, ao contrário, a redenção de cada um e o enleio do público. Passados vinte anos do desapontamento com “Sideways — Entre Umas e Outras” (2004), Payne e seu ator-fetiche voltam a se reunir em “Os Rejeitados”, com resultados que superam qualquer expectativa, em se principiando pela compreensão visivelmente amadurecida do diretor quanto à fragilidade das relações, do maravilhoso ridículo de um amor sufocado, das carências que, em maior ou menor grau, arrebatam espíritos calejados ou ainda frescos, lutando para sarar rápido suas próprias chagas.
“Os Rejeitados” é a convergência de muitos talentos, alguns merecidamente farejados pela Academia, e no caso de David Hemingson, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original — o longa recebeu outras três indicações, a Melhor Ator, para Giamatti; Melhor Filme; e Melhor Montagem —, tudo em seu sofisticado texto remete a audiência a um tempo mágico, que Hemingson fixa no começo dos anos 1970, mas que poderia ser cinco séculos atrás ou adiante, cravando a atemporalidade dos afetos, ideia frisada com ainda mais precisão pela fotografia granulada, plena de tons esmaecidos, de Eigil Bryld. E aí uma figura destaca-se mais que qualquer outra.
Qualquer garoto faria de tudo para estar na Barton Academy, uma escola secundária na cidade de mesmo nome em Vermont, na Nova Inglaterra, que reúne tradição, rigor intelectual e de costumes e o gosto meio sádico de a todo momento manifestar seu poder sobre o corpo de alunos, um contingente de cerca de quinhentos rapazes de catorze a dezessete anos, enclausurados no colégio durante boa parte da vida. Entre eles está Paul Hunham, o professor de História Geral vivido por Giamatti, que parece estar lá desde 1892, quando a instituição foi fundada, e cheio do espírito um tanto rançoso do lugar, encarna o próprio algoz daqueles garotos, oscilando entre a macaqueação de um pai e o que de fato executa de melhor, seu papel de norte moral de adolescentes promissores, mas sempre a um passo do abismo.
Pouco depois da sequência de abertura, Payne apresenta o núcleo jovem da trama, encabeçado por Angus Tully, o autêntico filho da classe média americana que permanece no internato depois de saber que a mãe, num novo casamento há seis meses, ainda não teve sua lua de mel. Com ele estão outros quatro alunos, resgatados de helicóptero pelo pai de Jason Smith, de Michael Provost, um magnata do esporte que leva todos a uma temporada em sua mansão na Costa Oeste depois das necessárias autorizações. Angus é o único que fica porque, claro, a mãe está ocupada em suas funções de esposa.
Dominic Sessa e Giamatti conduzem o filme num monótono equilíbrio até que desponta Mary Lamb. A cozinheira enlutada de Da’Vine Joy Randolph materializa debates mais indigestos acerca do lugar de mulheres pretas e sem instrução formal na sociedade americana de há cinco décadas, ou seja, nos bastidores, servindo homens brancos e forçada a ouvir seus impropérios. Quase se pode sentir Randolph brigar para que sua personagem consiga ser mais que uma tapadora de eventuais lacunas narrativas, dedicação que lhe valeu com toda a justiça o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, e sua composição ganha ainda mais vulto em sequências como a da missa em memória de Curtis, o filho de dezenove anos morto em combate no Vietnã, cujo nome junta-se aos dos outros alunos mortos em situações de conflito armado, como na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A sutileza da mensagem perdura ao longo de todo o enredo, não obstante Giamatti e Sessa não tardem a reaver o protagonismo, mormente no tocante desfecho de uma história sobre três pessoas exiladas em sua próprias vidas. Mas que ousam sonhar com a liberdade.
Filme: Os Rejeitados
Direção: Alexander Payne
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10