Faroeste moderno com Idris Elba, ignorado pela crítica, é um dos melhores filmes da história da Netflix Divulgação / Netflix

Faroeste moderno com Idris Elba, ignorado pela crítica, é um dos melhores filmes da história da Netflix

Os cowboys negros podem parecer uma ideia incomum para muitos, até mesmo nos Estados Unidos, mas eles sempre estiveram presentes. Ao longo dos séculos, os afro-americanos têm se adaptado às transformações que moldaram o país, mantendo, porém, sua conexão com a terra. Considerando a vida como uma celebração, esses guardiões da terra sempre souberam o que é necessário para transformar a habilidade de lidar com a natureza em uma qualidade valorizada não só por aqueles diretamente beneficiados, mas por toda a nação, de maneira duradoura.

No entanto, assim como em outros setores da sociedade americana, seu prestígio e até mesmo sua presença foram gradualmente apagados da história, restando apenas a lembrança de uma época em que eram vistos como grandes pioneiros, embora sua importância e a área que ocupavam tenham se tornado uma vaga lembrança no horizonte da memória.

Os vaqueiros urbanos de “Alma de Cowboy” (2020), o estiloso western de Ricky Staub, reivindicam seu devido lugar na história dos Estados Unidos através de uma trama tocante que se desenrola a partir de um reencontro entre pai e filho. Staub transforma o filme em um documentário sobre a importância dos afro-americanos no meio rural, especialmente no norte da Filadélfia no último século, utilizando membros da comunidade local, uma abordagem que em 2021 ajudou Chloé Zhao a conquistar o Oscar de Melhor Filme por “Nomadland” (2020).

Gradualmente, a pequena comunidade rural de Fletcher Street Stables ganha vida na ficção de Staub, apoiada por um roteiro bem elaborado, coescrito com Dan Walser. O texto destaca a independência dessas pessoas, sua capacidade de empreender sem o apoio do governo, que nunca chega — essa parece ser a grande mensagem implícita no filme —, e sua resiliência diante das adversidades, enquanto aborda, ainda que de forma sutil, o problema do tráfico de drogas presente naquele pequeno paraíso, simples, mas valioso.

Em uma atuação notável, Idris Elba interpreta Harp, um dos pilares de Fletcher Street. Durante um momento de descanso após trabalhar com os cavalos — retratado de maneira extenuante pelas cenas íntimas de Staub —, Harp reconhece o rosto de Coltrane, seu filho que mora em Detroit. O desentendimento com a mãe, Amahle, interpretada por Liz Priestley, mostrado no início do filme, leva a uma situação em que ela simplesmente coloca o garoto no carro, dirige até a Pensilvânia e o deixa lá, sem que ninguém possa considerá-la cruel ou negligente. Não demora para que Coltrane — assim chamado em homenagem a John Coltrane (1926-1967), embora prefira o apelido Cole, uma referência involuntária a Cole Porter (1891-1964) — perceba que a nova vida está longe do que ele imaginava, apesar de sua trajetória em Michigan não ter sido exemplar.

Caleb McLaughlin rouba a cena, mesmo ao lado do carismático Elba, ou quando contracena com Lorraine Toussaint, cuja personagem Nessie oferece o alívio cômico em uma história cuja tensão é palpável, embora nunca se transforme em violência. Staub não tenta reinventar a roda, e a narrativa se foca nos conflitos entre pai e filho, bem como na presença de Jack, o cavalo de Harp. “Alma de Cowboy” entrelaça as vidas de pai e filho, estranhos entre si, até que superem muitos dos obstáculos que os separam — e o consolo vem da percepção de que os maiores desafios são aqueles que estão além de seus esforços.


Filme: Alma de Cowboy
Direção: Ricky Staub
Ano: 2020
Gêneros: Faroeste/Drama
Nota: 9/10