A Índia é um mistério e o capitalismo é um sistema cheio de particularidades. Da mesma forma que oferece a chance de ascensão social a indivíduos alijados pela própria vida das mínimas condições de desenvolvimento, sem um trabalho digno ou instrução formal que os ajude a consegui-lo, morando em choupanas de palafita ou de pau a pique sem abastecimento de água tratada, vendo o esgoto correr de porta em porta levando as moléstias que adoecem e matam seus filhos como há mais de quinhentos anos, o capitalismo, porque conduzido de maneira cruelmente equivocada, não manifesta por essas pessoas a menor compaixão, perpetuando um ciclo de miséria e abandono que não interessa a ninguém.
Em “A Jornada de Srikanth”, Tushar Hiranandani dá um ótimo exemplo de como a perseverança dos indianos — e de um indiano em particular —, aliada à economia de mercado, à livre iniciativa e ao mínimo de oportunidades, é capaz de transformar para sempre uma comunidade e, quiçá, uma nação, a partir do talento de um homem visionário. O roteiro de K.K. Binojee, Sumit Purohit e Jagdeep Sidhu se aprofunda pelos muitos vãos da alma de Srikanth Bolla, um dos homens mais ricos da Índia, fundador de uma empresa de reciclagem avaliada em 65 milhões de dólares, ou 364 milhões de reais, depois de escapar por pouco de um destino cruel.
Srikanth nasce em 13 de julho de 1992 (ao menos é essa a data que Hiranandani usa) em Machilipatnam, um vilarejo pobre de Andhra Pradesh, no litoral sul da Índia. A alegria do pai, que deixa a lavoura para celebrar com os parentes a chegada do filho, logo é substituída por uma sensação de desapontamento e pesar quando nota que o menino é cego e pensa em todas as dificuldades que a criança terá ao longo de uma história que pode ser insuportavelmente longa ou demasiado breve, e por aí se tem uma ideia bastante vívida do atraso em que certas regiões do país continuam mergulhadas, passadas quase oito décadas de sua independência, em 15 de agosto de 1947. O diretor corta para a sequência mais dramática do longa, a que mostra o pai cavando a sepultura em que pretende enterrar vivo o bebê, e é impedido pela esposa, participação brevíssima, mas marcante, de Anusha Nuthula, que o resgata.
Esse instante macabro parece ter de alguma forma ter permanecido na memória de Srikanth, que nunca encarou a deficiência visual como uma barreira que o congelaria na miséria e o afastaria de uma vez por todas dos sonhos que viesse a ter, pelo contrário. Rajkummar Rao, um dos atores mais queridos em Bollywood, galvaniza essa aura de vencedor de Srikanth, cuja trajetória de sucesso passa, claro, por seus momentos de soberba e deságua no reconhecimento público. Em abril de 2017, Bolla foi citado pela revista Forbes como uma das trinta pessoas com menos de trinta anos mais importantes da Ásia. Em 2016, ele foi homenageado com o Prêmio de Liderança Emergente da Eclif Malaysia. Srikanth sonha tornar-se presidente da Índia. Poderoso ele sempre foi.
Filme: A Jornada de Srikanth
Direção: Tushar Hiranandani
Ano: 2024
Gênero: Drama
Nota: 8/10