O filme inteligente, charmoso e agridoce da Netflix que vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / El-housh Productions

O filme inteligente, charmoso e agridoce da Netflix que vale cada milésimo de segundo do seu tempo

Se a vida tem surpresas, o amor não é menos surpreendente, manifestando-se como uma sequência de eventos onde a lógica é frequentemente subvertida. Imaginar o romance entre um funcionário público e uma milionária em um país com rígidas tradições e leis severas pode parecer fruto da imaginação de um sonhador incurável — e talvez seja. No entanto, as ilusões nunca precisaram de justificativas ou permissões, e a humanidade continua a se deixar levar pela ideia de um mundo perfeito que, inevitavelmente, inclui o amor como uma força poderosa e resistente a qualquer tipo de controle. Assim, o ato de se apaixonar e a decisão de duas pessoas de trilhar o mesmo caminho e unir suas vidas se configura como o início de uma pequena revolução, que tem o potencial de crescer e transformar o mundo em um lugar mais acolhedor, menos hostil e menos obcecado pelo poder, rejeitando de imediato qualquer plano de dominação.

Recebido com entusiasmo pela crítica e aclamado pelo público no Festival Internacional de Cinema de Berlim de 2016, “Barakah com Barakah”, dirigido pelo saudita Mahmoud Sabbagh, sinaliza um novo tempo para o cinema, cada vez mais plural e atento às diversas possibilidades narrativas, comprometido em expressar sua alma diversificada. O roteiro de Sabbagh se destaca pela abordagem leve e despretensiosa das questões sociopolíticas que marcam a vida nos países da comunidade árabe, especialmente aqueles que adotam o islamismo como mais que uma orientação religiosa.

Essa fé implica observar costumes rigorosos, especialmente no que se refere ao contato entre homens e mulheres, um ponto que Sabbagh aborda incisivamente, mais até do que a diferença econômica entre os protagonistas. O argumento central avança sem perder de vista a intenção de provocar o espectador, inicialmente instigando dúvidas sobre se o que se vê é apenas questão de convicção pessoal, para depois desafiar as premissas teóricas que sustentam respostas fáceis e equivocadas.

Hisham Fageeh interpreta um dos Barakah do título, um fiscal da prefeitura de Jidá, na costa oeste da Arábia Saudita, cuja vida se cruza com a de sua homônima, Bibi. Fatima Al Banawi dá vida a Bibi, uma celebridade das redes sociais que ganha destaque mesmo em lugares pouco conhecidos como essa ilha de prosperidade numa região desafortunada do Oriente Médio. Os dois se conhecem quando Barakah deve verificar se a equipe que realiza uma sessão de fotos com Bibi possui a licença necessária — Sabbagh insere essas cenas de forma admiravelmente orgânica e corajosa, denunciando possíveis focos de corrupção.

A aproximação dos dois personagens é, no entanto, apresentada de forma quase farsesca: Barakah é um homem ingênuo, incapaz de conceber qualquer contato físico com Bibi sem antes torná-la sua namorada e, de preferência, sua esposa rapidamente. Por outro lado, Bibi está constantemente na defensiva, preocupada com a possibilidade de ser fotografada ao lado de um homem comum, mas visivelmente atraída por ele e pelo que ele representa de novidade e aventura.

Para contornar a censura religiosa onipresente na Arábia Saudita, Sabbagh utiliza subtramas aparentemente irrelevantes, como a participação de Barakah em uma releitura de “Hamlet”, não como o herdeiro do trono traído, mas no papel de Ofélia, sua noiva. Essa inocência do cinema saudita tem um encanto especial, principalmente quando comparado ao que é produzido no restante do mundo. Tudo parece quase artesanal e rudimentar, mas ainda assim mágico, como toda boa expressão artística.


Filme: Barakah com Barakah
Direção: Mahmoud Sabbagh
Ano: 2016
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10