O filme da Netflix que vai triturar seu coração em 10 mil pedacinhos Divulgação / Focus Features

O filme da Netflix que vai triturar seu coração em 10 mil pedacinhos

Um chefe de família cuja mulher está grávida procura por um segundo emprego numa loja para tentar suprir o acréscimo de despesas. À natural carga de dramaticidade na cena de abertura de “Blue Bayou” (algo como “riozinho triste“, misturando-se o francês cajun com a gíria de Louisiana, no extremo meridional dos Estados Unidos) se sucedem risos da primeira filha, com quem troca palavras breves e afáveis, e a reação nada auspiciosa do interlocutor que nunca é visto ao saber que o candidato já cumpriu pena por roubar motos.

O filme de Justin Chon, que também incorpora Antonio LeBlanc, esse homem descorçoado cuja vida há de piorar um tanto, parece uma ode às dezenas de milhares de cidadãos estrangeiros que de um jeito ou de outro vivem na América sem garantia alguma, embora tenham passado boa parte de seus dias sob o teto de uma família americana, por meio de quem absorveram o jeitinho da nova terra e cultivaram por um amor a que são obrigados a renunciar engolindo o choro, deportados sumariamente, sem o devido processo legal. O diretor-roteirista-estrela subverte essa lógica ao mostrar Antonio, um sul-coreano adotado por um casal de Saint Francisville, cidadezinha a uma hora de Baton Rouge, desesperado por ficar de vez no país em que está desde os três anos, sem dever nada às autoridades, sem ter de abaixar a cabeça sempre que anda por ruas que não conhece.

Aos poucos, o texto de Chon tece um perturbador contraponto com “Minari: Em Busca da Felicidade” (2020), dirigido pelo também sul-coreano-americano Lee Isaac Chung. Se em “Minari” americanos são uma gente com a louvável qualidade de reconhecer e valorizar quem se empenha pelo progresso de sua pátria, a despeito de origem, sangue, etnia ou cor de pele, com protagonistas vindos de um país igualmente capitalista que deu um verdadeiro salto evolutivo na esteira da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da própria Guerra da Coreia (1950-1953), graças ao investimento sistemático em educação, aqui Antonio é um tatuador delinquente, ex-membro de uma gangue de ladrões de motocicletas de luxo (à qual volta a se filiar, como se vai ver), agora baseado em Nova Orleans, que não sabe mais a quem recorrer para pagar o aluguel e sustentar Kathy, a companheira vivida por Alicia Vikander num papel que se cresce devagar, Jessie, a enteada, de Sydney Kowalske, e a nova bebê, que não demora a chegar.

Chon é hábil ao manipular os sentimentos do público e apontar a inconstância de seu personagem, desnorteado entre a proximidade da indigência e a possibilidade de ganhar uma fortuna caso aceite tornar à vida de antes. Ele aceita, e milagrosamente escapa do cerco policial, numa guinada bastante artificiosa, mas eficiente, malgrado comprometa o senso de realidade do início. “Blue Bayou” volta a esse eixo, de que não deveria ter se afastado, na derradeira sequência. Antonio LeBlanc é só mais um intruso, uma figura sem rosto entre os mais de cinquenta mil estrangeiros adotados ilegalmente nos Estados Unidos. Alijados do direito mais elementar: o direito à identidade.


Filme: Blue Bayou
Direção: Justin Chon
Ano: 2021
Gênero: Drama 
Nota: 8/10