Uma das maiores comédias românticas da história do cinema, com Alicia Silverstone, está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Uma das maiores comédias românticas da história do cinema, com Alicia Silverstone, está na Netflix

Quem poderia dizer que, quase duzentos anos depois de sua morte, Jane Austen (1775-1817) cairia no gosto popular, em comédias românticas adolescentes que Hollywood molda a seu talante até chegar aonde está aquele público? Percebe-se logo que, na verdade, “As Patricinhas de Beverly Hills” passa longe do que Austen de fato quis dizer em “Emma” (1815), a história de uma aristocrata jovem e leviana, que descobre uma aptidão que a faz especial em meio às insignificâncias da elite inglesa do príncipio do século 19.

Talvez dando-se conta de que, já padecendo dos sintomas do mal de Addison, doença autoimune a respeito da qual nada se sabia dois séculos atrás e que viria a matá-la dois anos depois, em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, a escritora resolve dizer verdades urgentes (e um tanto fesceninas) a respeito da sociedade de seu tempo, algo que fazia como ninguém, e o faz pela boca da personagem-título, que no longa de Amy Heckerling ganha o nome de Cher Horowitz. Existe boa dose de oportunismo no trabalho de Heckerling, que a partir do mote ditado por Austen leva a narrativa por suas próprias divagações, mas há que se reconhecer que embora sequer emule a superioridade estilística e o apuro semântico do texto da britânica “As Patricinhas de Beverly Hills” tem lá sua graça, justamente por absorver o espírito revolucionário de uma mocinha cheia de contradições.

Cher tem um quê de sua xará famosa: é rica, bela, excêntrica e pensa que os homens vieram ao mundo para servi-la. Ela é filha de Melvin Horowitz, um dos melhores advogados da Costa Oeste vivido por Dan Hedaya, que não permite que seus inúmeros casos envolvendo transações milionárias interfiram na relação com a pimpolha, que vê mesmo como uma eterna menina grande vestida de Louis Vuitton e Prada e que precisa de seu constante zelo. Nessa conta entra o meio-irmão, Josh, de Paul Rudd, e a partir daí a diretora-roteirista passa a descrever o cotidiano da anti-heroína de Alicia Silverstone, bem-entrosada em meio a nerds, maconheiros, futuros rei e rainha do baile, enfim, a garota mais popular do colégio.

Dionne Davenport, a melhor amiga, é sua versão negra, dotada de um temperamento menos diplomático, e Stacey Dash encarna junto com Silverstone a natureza anárquica das produções dos 1980 e 1990 que hoje não se acha mais tão facilmente. Esse é o gancho de que Heckerling se vale para levar a narrativa para seu eixo central, movendo-se em torno da necessidade de fazer com que Wendell Hall e Toby Geist, os professores mais rigorosos (e solitários) da escola interpretados por Wallace Shawn e Twink Caplan, se apaixonem e deixem a garotada ainda mais solta. Ela consegue, ratifica seu prestígio e sente-se no direito de gozar seus merecidos privilégios. Até que a iminência de uma tarefa quase tão desafiadora a sacode da mais uma vez.

Tai Frasier, a novata desengonçada e quase maltrapilha para os padrões de Beverly Hills, claro, precisa de uns toques da patricinha. Ainda que o filme caia refém de um batalhão de clichês e perca energia do segundo ato em diante, a afinidade entre a Silverstone e Brittany Murphy (1977-2009) guarda boas surpresas, mormente para quem se já cansou da correção política que infesta até o que é pensado para fustigar os costumes e chocar a burguesia. Já não se fazem mais aspirantes a dondocas como antigamente, nem nos arredores de Los Angeles nem lugar nenhum nesse tempo insano.


Filme: As Patricinhas de Beverly Hills
Direção: Amy Heckerling
Ano: 1995
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10