“Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw” é um “Velozes e Furiosos” diferente. Cheio de lances engraçados, mas não menos acelerados, o filme de David Leitch está numa zona nebulosa qualquer entre “Velozes e Furiosos 8” (2017), dirigido por F. Gary Gray, e “Velozes e Furiosos 9” (2021), levado à tela por Justin Lin, e essa desnecessidade por seguir o protocolo estabelecido nos longas da franquia durante 23 anos, de 2001 a 2023, é o que torna o diretor livre para ir mais fundo nas dicotomias morais dos personagens, suavizadas nos diálogos em que os roteiristas Chris Morgan, Drew Pearce e Gary Scott Thompson abusam dos trocadilhos, mais inusitados na boca de dois brucutus que custam a superar suas mútuas reservas em nome do bem comum. Como sói acontecer, a força do enredo fica a cargo dos protagonistas, cada qual vibrando no seu próprio diapasão, até que a ameaça demonstra seu poder de uma forma que exige que eles esqueçam suas diferenças e finalmente se unam.
Se em “Velozes e Furiosos 9”, o Dominic Toretto de Vin Diesel disputa o título que pode dar novo impulso a sua carreira, pensando que a temporada está ganha, e sofrendo uma revés do destino, porque há óleo na entrada da curva dois, o carro 23 ameaça ultrapassá-lo e Kenny Linder, um velho adversário, tem muito mais torque, Jason Statham e Dwayne Johnson mostram que uma série de filmes-pipoca também esconde seus mistérios e suas reflexões filosóficas. Se “Velozes e Furiosos 9” instiga sentimentos contraditórios como uma empolgação quase pueril do público e um desprezo surdo da crítica exatamente porque consegue atropelar expectativas de parte a parte, com Justin Lin, a cabeça acima do filme de 2021 e outras quatro produções da franquia, realizando um trabalho minucioso, em que marmanjos motorizados fazem mais que apenas se lançar às perseguições humanamente improváveis em que alguém sempre termina mal, Statham como Luke Hobbs e Johnson na pele de Luke Hobbs também chutam o balde, embora com mais método.
Aqui, encontra margem até para referências ao cabeçudo “Blade Runner 2049” (2017), com o qual Denis Villeneuve provoca estranhamento três décadas e meia depois de “Blade Runner” (1982), o inaudito blockbuster de Ridley Scott, é que um produto cultural só há de fazer sentido se inserido no contexto sociopolítico de seu tempo, e a partir de então, é tomado por aquilo que passa a ser, adquire vida nova, como se o antecessor nem tivesse tanta relevância assim — o que, definitivamente, não é o caso — ou quisesse matar o pai — idem. Aos poucos, Idris Elba e Vanessa Kirby juntam-se a Statham e Dwayne Johnson e o resultado é um apocalipse um tanto estilizado, mas crível. Eu disse que esse é um “Velozes e Furiosos” diferente.
Filme: Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw
Direção: David Leitch
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Aventura
Nota: 8/10