É inútil negar: serial killers despertam um interesse mórbido em pessoas comuns que vivem de acordo com suas possibilidades, sem quem se comova com suas angústias e, muitas vezes, perambulam entre hospitais, buscam emprego em empresas e enfrentam filas que se estendem das calçadas para as ruas, incapazes de perceber a natureza absurda da situação. Criminosos de todos os tipos têm experimentado um gosto de notoriedade ao longo dos anos, facilitados pelas representações históricas de certos filmes que, além de distorcerem a verdade, promovem uma clara apologia ao crime.
No Brasil, certamente “Tropa de Elite” (2007), dirigido por José Padilha, é o único filme que revela ao público o submundo da ilegalidade, reconhecendo a existência de policiais honestos, conscientes de seu dever social e imunes às tentações, seja da imprensa, da academia ou de certos setores mais abastados. Eventualmente, Hollywood acerta ao abordar de forma menos indulgente e mais assertiva assassinos impenitentes, aqueles que matam por prazer, como retratado em “Sangue no Gelo”, um thriller que explora o lado oculto das ações de matadores que se passam por pais devotados, maridos amorosos e chefes gentis.
Em sua estreia em longas-metragens, Scott Walker vai além do óbvio ao retratar corajosamente o tormento de um dedicado detetive de Anchorage que tenta prender um assassino de prostitutas que espalha terror na pequena cidade do Alasca, no início dos anos 1980. O diretor-roteirista utiliza alguns clichês ao desenvolver a trama, mas o que se destaca é a habilidade de Walker em manter a audiência alerta e ansiosa pelo próximo acontecimento, sempre entregue com intensidade renovada.
O trabalho policial possui particularidades que o distinguem de outras atividades laborais, independentemente da perspectiva adotada. Policiais, em teoria, nunca tiram folga, e o senso de justiça, sem as firulas dos trâmites processuais — que nem sempre alcançam o resultado desejado —, demora a desaparecer da rotina de quem dedicou seus melhores anos a combater o perigo iminente das ruas, impulsionado por um instinto de sobrevivência que se estende à sociedade que aprendeu a proteger.
Em geral, os americanos são proficientes em usar o cinema para expor suas vulnerabilidades. Questões delicadas como racismo, sexo, drogas, e as hipocrisias persistentes da vida na nação mais democrática — e, por isso, a mais complexa — são abordadas com toda a virulência, o que não afasta o público; pelo contrário: quanto mais corajoso o diretor ao elaborar um argumento difícil, mais o espectador se sente compreendido e acolhido, certo de que suas dores não são só suas.
O filme de Walker é baseado na história real de Robert Hansen (1939-2014), um serial killer que ganhou as manchetes dos jornais em boa parte dos EUA à medida que prostitutas desapareciam e enchiam o necrotério de Anchorage, onde o submundo do sexo era próspero. São inúmeras casas de striptease, habitadas por cafetões e traficantes de drogas, onde Cindy Paulson, uma das poucas a escapar da fúria bestial de Hansen, era uma frequentadora assídua.
O eixo narrativo do roteiro do diretor se desenrola à medida que Paulson fornece ao investigador Jack Halcombe, designado para o caso, as provas que, com o tempo, levarão à prisão do assassino, que contava com a leniência e até simpatia de outros policiais para se livrar. Walker é hábil ao denunciar sem proselitismo a postura deliberada de permitir que os assassinatos continuem, como uma forma de limpeza social, focando-se nos momentos cruciais em Paulson e Hansen, duas pontas soltas de um novelo que as autoridades não conseguem controlar. Este talvez seja o melhor filme protagonizado por Nicolas Cage, com o apoio notável de Vanessa Hudgens e um John Cusack aterrorizante.
Filme: Sangue no Gelo
Direção: Scott Walker
Ano: 2013
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 8/10