Com 90 indicações a prêmios, obra-prima de Almodóvar que vale cada milésimo de segundo do seu tempo está na Netflix Divulgação / Sony Pictures

Com 90 indicações a prêmios, obra-prima de Almodóvar que vale cada milésimo de segundo do seu tempo está na Netflix

Ao longo da vida, as pessoas tendem a se inclinar para determinados assuntos com intensidade variável, às vezes beirando a obsessão. Em “Mães Paralelas”, Pedro Almodóvar explora novamente o vínculo profundo entre mães e filhos, um tema recorrente em sua filmografia, como visto em “Tudo sobre Minha Mãe” (1999) e “Julieta” (2016). No entanto, neste filme, ele busca revelar aspectos mais sutis e promissores dessa relação.

Penélope Cruz, colaboradora frequente de Almodóvar ao longo dos últimos 25 anos, brilha no papel principal, capturando a essência do estilo visual e narrativo do diretor. Poucas atrizes compreendem tão bem o que Almodóvar deseja expressar, e Cruz o faz com uma combinação de beleza e intensidade emocional comparável a outras musas do diretor, como Cecilia Roth e Marisa Paredes.

“Mães Paralelas” reúne todos os elementos característicos de Almodóvar, apresentados com precisão. A complexidade emocional das personagens, os dilemas éticos e morais que enfrentam e a reflexão sobre episódios da história política da Espanha são revelados no momento certo, evidenciando o julgamento cuidadoso do diretor. Embora retratar a agonia de duas mulheres cujas vidas estão entrelaçadas seja um tema familiar para Almodóvar, ele o faz com uma sensibilidade renovada, sem deixar de lado a intensidade emocional.

Janis, interpretada por Cruz, é uma fotógrafa madrilenha cujo desejo de ser mãe enfrenta a passagem do tempo e os desafios de sua carreira. Após uma sessão de fotos para o livro do arqueólogo forense Arturo (Israel Elejalde), ela engravida. Em um corte abrupto, vemos Janis prestes a dar à luz, dividindo o quarto do hospital com Ana, uma jovem mãe solteira de dezessete anos interpretada por Milena Smit. A interação inicial entre Janis e Ana é marcada por uma tensão contrastante, mas suas vidas acabam se cruzando de forma significativa. Almodóvar habilmente começa a construir a carga emocional do filme, passando da euforia à serenidade e introduzindo reviravoltas inesperadas.

À medida que a história avança, Janis se transforma de uma mulher cheia de vida em alguém que desperta a compaixão do público, especialmente após o reencontro com Arturo. A primeira grande reviravolta do enredo ocorre quando Arturo visita Janis para conhecer Cecilia, a filha deles. Esse momento serve como um ponto de virada crucial, permitindo que Cruz capture a atenção e a empatia do público de forma definitiva.

Enquanto isso, Ana, interpretada com uma contenção impressionante por Smit, luta com as dificuldades da maternidade e a ausência de apoio familiar. Sua mãe, Teresa, interpretada por Aitana Sánchez-Gijón, é uma atriz decadente que abandona Ana para seguir uma turnê teatral, acentuando ainda mais a sensação de abandono e solidão da jovem mãe.

O filme também aborda questões colaterais, como os desafios emocionais e práticos da maternidade sem suporte familiar e as cicatrizes da Guerra Civil Espanhola. Almodóvar usa esses temas para adicionar profundidade ao enredo, embora a conexão com a história política da Espanha seja menos desenvolvida. O mistério sobre o destino do bisavô de Janis, desaparecido durante a guerra, adiciona uma camada adicional de significado à história, simbolizando as feridas ainda abertas da história espanhola.

“Mães Paralelas” é uma obra característica de Almodóvar, cheia de referências visuais e emocionais que seus fãs reconhecem imediatamente. O uso do vermelho, uma marca registrada do diretor, é destacado pelo trabalho do diretor de fotografia José Luis Alcaine. A narrativa começa de maneira simples, quase trivial, e se complica gradualmente, envolvendo o espectador em uma teia de emoções.

O desfecho do filme, ao mesmo tempo absurdo e poético, evoca sentimentos de efemeridade e eternidade, simbolizando a continuidade da vida e a inevitabilidade da morte. Para Almodóvar, os braços servem para enterrar nossos mortos e embalar nossos filhos, enquanto os olhos são mais para derramar lágrimas do que para buscar redenção.


Filme: Mães Paralelas
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 2021
Gênero: Drama/Comédia/Suspense
Nota: 9/10