Adotar o papel de um criminoso frio, insensível, que executa suas ações sem se deixar envolver pelos dramas alheios é uma tarefa árdua. O personagem principal de “O Assassino” vive dessa forma até que um golpe inesperado atinge seu ponto mais vulnerável: seu orgulho profissional. David Fincher, ao se aproximar de seu centésimo projeto, incluindo videoclipes, curtas-metragens e campanhas publicitárias, continua sendo um mestre na exploração dos segredos da mente humana, especialmente a masculina.
O protagonista sem nome de seu novo filme pode ser visto como um reflexo do próprio diretor, um homem que se impôs a perfeição e, quando finalmente enfrenta uma falha, tudo desmorona. Este paralelo, porém, aplica-se a Fincher apenas no que diz respeito ao perfeccionismo; “O Assassino” é um retrato contundente de alguém que se desintegra ao enfrentar uma realidade da qual acreditava estar imune, consolidando-se como uma das produções cinematográficas mais impactantes dos últimos tempos.
O Assassino, à semelhança de Fincher, espera não apenas o momento oportuno, mas o exato. Enquanto não consegue concluir sua missão, passa o tempo criando suas próprias sessões de ioga, ouvindo The Smiths — a trilha sonora de Atticus Ross e Trent Reznor utiliza mais de uma dúzia de canções da banda de Manchester, adicionando uma característica marcante ao filme —, disfarçando-se de turista alemão nas ruas e frequentando o McDonald’s, onde consome proteína por um euro, descartando o pão. Michael Fassbender transforma-se, perdendo seu ar aristocrático e passando despercebido pela multidão em Paris, mas ninguém imagina outro ator para o papel.
O roteiro de Andrew Kevin Walker, que já havia colaborado com Fincher em “Se7en – Os Sete Crimes Capitais” (1995), é um presente para atores como Fassbender, que consegue transmitir a agonia e o prazer de um personagem vil, encarregado da tarefa enigmática de eliminar um gângster qualquer, ciente de que, para que a missão seja bem-sucedida, deve se submeter a condições que a maioria dos 7,8 bilhões de habitantes do planeta sequer imagina. O longo prólogo de Walker mostra o Assassino sentado em bancos de praça durante o horário comercial, observando vitrines e a interação suspeita entre uma mãe e seu filho junto a uma fonte, sugerindo um ponto de virada em sua vida.
Quando finalmente encontra a ocasião perfeita, o personagem de Fassbender ajusta sua mira, aperta o gatilho da Glock e… erra. A morte de um inocente desencadeia no Assassino uma série de reflexões sobre seu destino caso algo desse tipo ocorresse; todas as ponderações vêm de uma vez, e ele percebe que está em apuros, sabendo que seus inimigos não se contentarão apenas com sua morte. Desesperado, viaja para a República Dominicana na esperança de salvar Magdala, sua namorada, mas chega tarde demais. Ela está entre a vida e a morte em um hospital precário, e agora tudo o que ele sempre evitou — misturar carreira e sentimentos — o atinge de forma avassaladora.
Sophie Charlotte aparece nesse segmento e retorna na conclusão, desempenhando um papel significativo — assim como Arliss Howard, Charles Parnell e Tilda Swinton. No entanto, “O Assassino”, na Netflix, é essencialmente dominado por dois talentos: Michael Fassbender e David Fincher, ambos entregando o melhor de si.
Filme: O Assassino
Direção: David Fincher
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 10/10