Desligue o cérebro e divirta-se com Dwayne Johnson na Netflix Claire Folger / Warner Bros.

Desligue o cérebro e divirta-se com Dwayne Johnson na Netflix

Eddie Murphy pavimentou a estrada por onde correm Dwayne Johnson e Kevin Hart em “Um Espião e Meio”, dois ex-colegas de escolas que voltam a se falar em circunstâncias tão suspeitas quanto absurdamente engraçadas na comédia policial de Rawson Marshall Thurber. Embora aqui se tenha dois protagonistas e não apenas um, o suficiente para fazer da franquia “Um Tira da Pesada” (1984-2024) um estrondoso sucesso, o roteiro de Thurber, Ike Barinholtz e David Stassentem o condão de distribuir as sequências de modo equânime, dando todas as condições para que Johnson e Hart estabeleçam a tabelinha que confere um ritmo à parte numa história naturalmente vesana.

Este é decerto o melhor resultado do diretor em seu propósito de marcar posição nesse terreno pantanoso e árido das histórias de crimes e investigadores bonachões e atrapalhados, em que apostou todas as fichas no malfadado “Alerta Vermelho” (2021), cujo orçamento de duzentos milhões de dólares (cerca de 1,1 bilhão de reais) bancado pela Netflix colocou na praça a trama de dois ladrões de antiguidades valiosas brincando de gato e rato, um deles fazendo um tipo grandalhão de bobo. Mais clichê, impossível. Para se ter uma ideia, “O Irlandês” (2019), filme-fetiche de Martin Scorsese, custou 160 milhões, com a ressalva de ter quase hora e meia a mais de duração. Tudo parece ainda mais absurdo em se considerando que mais de um terço das despesas de “Alerta Vermelho” foi empenhado nos salários do diretor e dos três astros, dentre os quais está, não por acaso, Johnson — cujo talento aqui revela facetas mais estimulantes.

Se em “Cegos, Surdos e Loucos” (1989) Arthur Hiller (1923-2016) faz com que Gene Wilder (1933-2016) e Richard Pryor (1940-2005) equilibrem-se entre cenas de humor “fácil”, pastelão sem chantili, e as blagues mais refinadas, raspando em tópicos a exemplo de racismo, misoginia, drogadição e, por natural, capacitismo — que se conhecia por outro nome — dominam a cena, em “Um Espião e Meio” Johnson e Hart se saem bons discípulos, com piadas escatológicas com considerações sobre… racismo, misoginia, drogadição e capacitismo. Ex-obeso, Bob Stone, o Bob Esquisito de Johnson, fora submetido a uma imperdoável humilhação diante de toda a escola vinte anos atrás, sendo acolhido por Calvin Joyner, o garoto mais popular, vivido por Hart.

Como sói acontecer, passadas duas décadas, eles trocaram de lugar, e Stone, como se sabe, não é mais o gordo solitário de antes (malgrado continue bem estranho) e Joyner não cumpriu a promessa de ser um dos novos donos do poder nos Estados Unidos. Stone, um agente da CIA que cai em desgraça por uma razão que Thurber explica na virada do segundo para o terceiro ato, procura o antigo protetor, subalterno num escritório de contabilidade, para solucionar um crime. É nonsense de primeira, e o carisma de Johnson e Hart garante um ou outro acesso de riso.


Filme: Um Espião e Meio
Direção: Rawson Marshall Thurber
Ano: 2016
Gêneros: Comédia/Ação/Policial
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.