A obra-prima de Jordan Peele na Netflix é um dos filmes mais brutais e impactantes do cinema e não te deixará desviar o olhar Divulgação / Universal Pictures

A obra-prima de Jordan Peele na Netflix é um dos filmes mais brutais e impactantes do cinema e não te deixará desviar o olhar

 Pouco racional é quem espera sensatez de pessoas que tratam a vida como um jogo sem regras, onde vale tudo para alcançar o topo. Cada indivíduo está irremediavelmente imerso em suas próprias questões, cujo significado é revelado apenas para ele mesmo — não sem antes enfrentar uma tortura interna até que a vida lhe presenteie com o quase mágico estalo do discernimento.

Este momento de clareza, que a mente às vezes alcança na busca pela razão, é um tesouro raro, mantido longe dos olhares curiosos daqueles que nos odeiam e do silêncio perplexo de quem nos quer bem. Incertezas, dúvidas e dilemas são os fantasmas mais persistentes, assombrando a humanidade desde o início dos tempos com impasses que jamais serão superados, por mais que se tente.

Viver em sociedade é um desafio diário, pois cada dia traz seus próprios obstáculos e as raras alegrias que compensam a angústia da existência. Temos, no entanto, o poder de seguir em frente, deixando para trás aqueles que prefeririam que não estivéssemos aqui. Após uma longa carreira em filmes leves, Jordan Peele decidiu dar vida a histórias merecedoras de serem contadas, e fez isso no momento certo.

Enfrentando um dos temas mais urgentes da atualidade, “Corra!” (2017) envolve o espectador em uma narrativa perturbadora e sedutora, que exige atenção e sensibilidade. Peele, consciente do recrudescimento do pensamento racialista após uma breve trégua, aborda esse tema com uma agressividade delirante, aprofundando a discussão que torna seu trabalho tão significativo.

Destacando-se no Festival de Cinema de Sundance de 2017, onde estreou em uma sessão exclusiva, “Corra!” mostra desde o início que Peele não tem a intenção de amenizar nada. A aparente normalidade de um casal em sua primeira viagem após cinco meses de namoro rapidamente se transforma em paranoia e aborrecimento, e a razão é evidente. Na cena inicial, o personagem de Keith Stanfield caminha tranquilamente por uma rua de casas imponentes, até perceber que está sendo seguido de perto por um carro.

Qualquer dúvida sobre as intenções do diretor desaparece quando a ação muda para Chris e Rose, protagonistas vividos por Daniel Kaluuya e Allison Williams, arrumando as malas para a viagem. Após uma breve conversa sobre o possível estranhamento dos pais de Rose em relação ao fato de Chris ser negro, eles partem.

O medo crescente de Chris, como o de um animal que sente o próprio perigo, se intensifica através de diálogos que explicitam a animosidade entre os personagens, realçada pela fotografia em tons sombrios de Toby Oliver. O terceiro ato do filme, com referências a hipnose, lobotomia e transplante de cérebro — além de uma menção ao assassino em série Jeffrey Dahmer —, reforça que “Corra!” é um filme sério e que Peele não está para brincadeiras.


Filme: Corra!
Direção: Jordan Peele
Ano: 2017
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 9/10