Se você adorou ‘Capitão Fantástico’, precisa assistir esse filme indicado a 92 prêmios, na Netflix Divulgação / Harrison Productions

Se você adorou ‘Capitão Fantástico’, precisa assistir esse filme indicado a 92 prêmios, na Netflix

Às vezes, adolescentes demonstram uma sabedoria e percepção superiores às dos seus pais. Debra Granik possui um talento especial para retratar esses jovens em meio a diversos conflitos típicos da adolescência. Em “Inverno da Alma” (2010), Granik destacou Jennifer Lawrence, que interpretou uma jovem cuidando da mãe incapacitada e dos irmãos menores. Tanto o filme quanto Lawrence receberam indicações ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Atriz, respectivamente, em 2011. Com “Sem Rastros”, a diretora repetiu a fórmula com sucesso.

Will e Tom, pai e filha, vivem isolados em uma vasta reserva florestal nos arredores de Portland. Esse estilo de vida solitário é desafiado pelas autoridades americanas, que veem com maus olhos os desabrigados em espaços públicos, impondo medidas rigorosas para removê-los. Will e Tom são forçados a sair da reserva e passam a ser supervisionados pelo Estado. Insatisfeitos com a intervenção, eles buscam incessantemente retomar sua antiga vida, que para Will era muito mais satisfatória do que para Tom.

Ben Foster, tal como Granik, desenvolveu uma especialização em interpretar personagens marginalizados. Em “Sem Rastros”, seu personagem Will é semelhante ao Tanner Howard de “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie. Ambos apresentam uma mistura de repulsa e doçura, com Foster oferecendo uma performance equilibrada e rica em nuances. A complexidade do personagem de Will, que não pode ser facilmente classificado como um bom ou mau pai, enriquece a narrativa, refletindo uma versão masculina do mito de Jocasta.

Thomasin McKenzie brilha como Tom, uma jovem cujo papel contrasta fortemente com o comportamento errático do pai, um veterano de guerra traumatizado. À medida que o filme avança, Tom demonstra sinais de que a vida nômade está afetando negativamente sua saúde mental e emocional. Em uma cena particularmente tocante, ela comenta após uma refeição simples que ainda está com fome, ilustrando sua insatisfação crescente.

Esse momento desencadeia o ponto central da trama. Will, em um raro lampejo de racionalidade, decide fazer compras, levando Tom consigo. A jovem se diverte com a experiência, especialmente ao andar de teleférico e ao visitar o supermercado, onde pode escolher seus produtos favoritos. Essas atividades comuns revelam a ela o quanto estava perdendo ao viver isolada com o pai.

O filme gradualmente instala um sentimento de desconforto que se transforma em uma tristeza profunda, evocando a relação deteriorada entre pais e filhos, similar ao que é retratado em “O Quarto de Jack” (2015), dirigido por Lenny Abrahamson. Em ambos os filmes, os filhos são aprisionados por circunstâncias impostas pelos pais, embora Tom nunca tenha sido fisicamente confinada. Seu aprisionamento é a vida ao lado de um pai incapaz de reconhecer suas necessidades e seu crescimento.

À medida que a incompatibilidade entre Will e Tom se torna mais evidente, a necessidade de Tom de se libertar para viver uma vida normal fica incontestável. A assistente social tenta proporcionar uma nova oportunidade para ambos, mas Will não consegue se adaptar. Mesmo Tom, em sua inocência, acredita que seu pai possa mudar, mas acaba percebendo que ele a está arrastando para uma vida de autodestruição.

Desnudando a complexidade dramática de “Sem Rastros”, na Netflix, a mensagem central é clara: algumas pessoas, apesar de todo o amor que sentimos por elas, precisam ser deixadas para trás. A nova jornada pode começar árdua, mas tende a se suavizar com o tempo, à medida que olhamos para trás e reconhecemos as possibilidades não realizadas. A saudade pode doer, mas também traz libertação.


Filme: Sem Rastros
Direção: Debra Granik
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Mistério
Nota: 8/10