Influenciadores digitais me influenciam a não me deixar influenciar por suas idiotices

Influenciadores digitais me influenciam a não me deixar influenciar por suas idiotices

Fui influenciado pela lua. Eu nasci à noite, sob um escarcéu de grilos e de gritos. Fui influenciado pelas graves cólicas lancinantes de minha mãe, pelos calafrios de terror de meu pai e pelos tapas no traseiro desferidos por um médico calvo embriagado. Acima de tudo, fui influenciado pela vertigem da dor e do riso. Fui também influenciado pela professora amorosa que tinha nome de rosa, pelos desenhos animados e pelo desânimo do meu velho com os rumos tomados pela humanidade. Devo a ele boa parte desse desencanto. Não é pouca coisa. Eu me sinto grato. Enquanto crescia, acabei influenciado pelo canto, pelas gírias, pelas bolas chutadas sobre o muro e pelos gomos do cobertão sendo perfurados pela vizinha megera que não gostava de crianças. Apanhei da vida sem ter levado um tapa sequer na cara. Fui influenciado pelos carrinhos de rolimã, pelos banhos de chuva, pelos berros de mamãe pela janela, pelos resfriados alertados por ela e pela sensação de tontura do Biotônico Fontoura. Comecei muito cedo no amor, no álcool e na poesia. Fui influenciado pelos cigarros de chocolate, pelo cuspe na mão, pela brilhantina no cabelo e pelas paixões não correspondidas por garotas do Ensino Médio. Na média, fui fundamentalmente influenciado pelos fragorosos fracassos amorosos até encontrar alguém que se casasse com as minhas esquisitices. Fui influenciado pela mala marrom de papelão do padrinho senil que descia a rua da amargura de volta para BH. Olhe lá, eu sempre gostei de doce-de-leite e de gente velha. Desde sempre, fui influenciado pelas perdas temporárias e permanentes também. Fui influenciado pela fada-do-dente que nunca falhava às promessas de travesseiro. Primeiro, eu fui bastante influenciado pelas brincadeiras de rua, pela vizinha que não fechava o vitrô basculante durante o banho e pelo homem-do-saco que jamais apareceu para raptar criancinhas. Fui influenciado pelas danças desajeitadas e comezinhas de meu pai, pelas suas imitações de Nat King Cole enquanto tomava uma ducha. Papai não sabia inglês, mas, falava pelos cotovelos. Fui influenciado pelos sapatos de plataforma, pelas calças boca-de-sino, pela sina de sofrer calado as paixões platônicas. A tônica era ser influenciado pela música a tal ponto de desejar ser músico, de levar a vida na flauta, literalmente. Apesar da leniência, desde cedo, fui influenciado pela leitura até que ela deixasse de ser uma obrigação pedagógica. Fui influenciado pela lógica dos cães, dos gatos, dos bichos, das pedras e dos regatos da minha terra. Fui influenciado pelas causas pacifistas, pelas putas sifilíticas, pelas pautas socialistas. Fui influenciado pelos mestres da medicina e pela dissecção de sonhos-cadáveres durante as aulas de anatomia. Fui influenciado pela cotovia para não perder a oportunidade de fazer aqui uma rima. A lira me influenciou demais. Eu juro. Mais do que ter apanhado de cinto. Como consequência, sinto que acabei me transformando numa ilha cercada de boas e de más influências por todos os lados.  É dela que eu nado com cuidados de não encalhar na rasura. Eu me interesso pela profundidade da existência humana. Nela eu atraco as minhas mágoas. E eu ainda não terminei. Vocês vão ter que me engolir, se quiserem, em certa medida, se deixar influenciar por mim.