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“O Diabo de Cada Dia” (2020), dirigido por Antonio Campos, combina magistralmente a narrativa envolvente e visuais impactantes. Utilizando uma narração off-screen, o filme transita habilmente entre diferentes períodos temporais, conferindo um ritmo contínuo e harmônico à trama.

Antonio Campos, filho do jornalista Lucas Mendes, utiliza um estilo narrativo que, embora arriscado, revela-se eficaz. O diretor lança uma avalanche de informações, todas interligadas, que são absorvidas de maneira natural graças à metalinguagem. A história é contada por Donald Ray Pollock, autor do romance que inspirou o filme, destacando a importância da narração na obra.

Embora o roteiro apresente lacunas, essa escolha parece deliberada, convidando o público a participar ativamente da interpretação da história. Campos permite que a audiência formule suas próprias teorias sobre os eventos, em um claro tributo ao trabalho de Pollock. Em certos momentos, o diretor sugere de forma quase didática as intenções do filme, povoado por personagens moralmente ambíguos, corrompidos pela fé e discurso religioso.

A abertura do filme estabelece o tom para o restante da narrativa. Willard Russell, interpretado por Bill Skarsgård, é um ex-combatente das Guerras Mundial e do Vietnã, retornando à sua cidade natal em Ohio, atormentado por memórias de guerra. O início do filme revela o primeiro tipo central da história: Russell, um romântico que, após o trauma da guerra, deseja apaixonar-se. Ele encontra em Charlotte, uma garçonete interpretada por Haley Bennett, a parceira ideal, atraído por sua beleza e princípios cristãos. Embora o elemento religioso não seja inicialmente proeminente, ele se intensifica ao longo da narrativa.

Russell e Charlotte casam-se e têm um filho, Arvin. No entanto, Charlotte é diagnosticada com câncer terminal, marcando a primeira grande virada da trama. Determinado a salvar a esposa, Russell se entrega à devoção religiosa, acreditando no poder divino. Em um ato desesperado, ele sacrifica o cachorro de Arvin, acreditando que isso expiará os pecados de Charlotte. Este evento traumático abala profundamente Arvin e desintegra a unidade familiar. Russell, incapaz de lidar com a perda, comete suicídio, deixando Arvin aos cuidados da avó Emma.

A narrativa avança dez anos, e Arvin enfrenta os desafios de uma religião corrompida, personificada pelo reverendo Preston Teagardin, interpretado por Robert Pattinson. Teagardin, um pregador charmoso, mas moralmente corrupto, abusa de seu poder para seduzir jovens ingênuas, incluindo Lenora, interpretada por Mia Wasikowska. Lenora, grávida do pastor, busca aconselhamento e é instigada a abortar, levando-a ao desespero e ao suicídio.

“O Diabo de Cada Dia” explora a manifestação do mal em diversas formas, sob a direção meticulosa de Antonio Campos. A história revela a fragilidade espiritual humana e a constante luta contra as trevas, conforme sugerido por Pollock em seu livro. Ao longo do filme, a vulnerabilidade dos personagens torna-se cada vez mais evidente, sublinhando a complexidade das questões morais e espirituais abordadas.

O filme utiliza o cenário do Meio-Oeste americano para retratar a desintegração moral e o caos, com personagens que exibem uma falsa sabedoria cósmica. A luta de Willard para salvar Charlotte, a corrupção de Teagardin e o sofrimento de Arvin são narrativas interligadas que expõem a profundidade da fragilidade humana e a complexidade das questões espirituais e morais.


Filme: O Diabo de Cada Dia
Direção: Antonio Campos
Ano: 2020
Gênero: Drama / Suspense / Policial
Nota: 9/10