O filme mais bonito que você verá na Netflix: vai mexer com suas emoções e tocar sua alma Divulgação / Netflix

O filme mais bonito que você verá na Netflix: vai mexer com suas emoções e tocar sua alma

Definimos o amor com precisão, mas ele se encarrega de desmantelar nossas definições enquanto tentamos compreender sua lógica. “Anna Kariênina”, do escritor russo Liev Tolstói (1828-1910), é possivelmente a história de amor mais triste já escrita. Adaptada cinco vezes para o cinema entre 1935 e 2012, a trama envolvendo Anna Kariênina, esposa do alto comissário do czar Alexandre II, Alieksiéi Kariênin, e o Conde Vronsky, oficial da cavalaria, foi um escândalo na aristocracia da Rússia imperial. Anna busca o divórcio, mas seu marido não apenas nega o pedido como também a impede de ver o filho. O casamento termina, assim como o romance extraconjugal, e o destino de Anna é trágico.

Todas as histórias de amor carregam um potencial para a tragédia; se não o fazem, é porque a nobreza do sentimento humano supera a barbárie dos instintos. Dois indivíduos diferentes que se encontram e, se tudo correr bem, desaguam no oceano da Eternidade. Mas e quando as coisas não seguem esse roteiro (quase nunca seguem)? Essa é a magia do amor. Vinicius de Moraes (1913-1980), um mestre no tema, afirmou em seu “Soneto de Fidelidade” (1946) que o amor, sendo chama, não pode ser imortal, mas pode ser infinito enquanto durar. Pode parecer óbvio, mas o amor é mesmo um tanto ridículo, como aponta o poeta Fernando Pessoa (1888-1935).

O cinema asiático sempre intrigou o público global com histórias originais equilibrando frieza e drama intenso. No século 21, o Oriente permanece um mistério para aqueles nascidos em terras distantes, que, além da distância física, se orgulham de preconceitos xenofóbicos. Diretores veteranos como Wong Kar-Wai, da China, e Akira Kurosawa (1910-1998), do Japão, superaram a resistência do público e da indústria, tornando-se ícones que combinam o nobre e o singelo em suas obras. Narrativas aparentemente simples revelam profundezas humanas que tocam qualquer ser humano.

O fim de um amor é pior quando justificamos o fracasso e negamos as circunstâncias que levaram ao término. Em “Pérolas no Mar” (2018), René Liu, veterana como atriz e cantora com mais de 20 álbuns, revela-se uma diretora sensível e multifacetada. Na história, Jian-qing e Xiao-xiao se apaixonam durante uma viagem de trem na China, celebrando o fim de 2007 com suas famílias. Inicialmente estranhos, eles descobrem muitas afinidades ao longo da narrativa. A trama avança para um saguão de aeroporto, onde, uma década depois, enfrentam o fim do relacionamento, tentando entender por que o romance fracassou apesar da proximidade emocional.

Nelson Rodrigues (1912-1980), maior cronista das relações interpessoais, disse que o dinheiro compra tudo, inclusive o amor verdadeiro. Seu cinismo, como o de Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), desmascara as ilusões românticas. O amor, para ser verdadeiro, precisa de um contexto que o legitime. Antes de fazer promessas de amor eterno, Jian-qing e Xiao-xiao precisam resolver questões práticas como sustento diário. Jian-qing é um estudante de programação em Pequim, desenvolvendo um jogo para sair de uma pensão precária. Xiao-xiao, sem a bagagem intelectual e tecnológica dele, busca um parceiro rico que a sustente, aceitando viver sem um anel no dedo, como as concubinas do passado.

O uso de metalinguagem no jogo criado por Jian-qing poderia cair em clichês, assim como o arquétipo da mulher submissa que Xiao-xiao encarna. Liu subverte esses clichês, mostrando que o jogo é inspirado pela vida de Xiao-xiao. Mulheres em paz com sua feminilidade, como Clarice Lispector (1920-1977) e Rachel de Queiroz (1910-2003), não se incomodam em ser musas de grandes obras. Xiao-xiao, com franqueza, confirma a visão de Nelson Rodrigues. Ela não quer perder mais dez anos em ilusões, preferindo garantir segurança financeira enquanto sua juventude dura.

Se Jian-qing tivesse seguido Xiao-xiao no metrô, poderiam ter continuado juntos, enfrentando privações num novo ambiente. A vida, porém, não se baseia em hipóteses; viver na esperança de melhorias indefinidas é ilusão. A imagem do personagem apaixonado deixando o amado ao embarcar em um veículo é um clichê poderoso, como visto em “Um Homem de Sorte” (2018), “Me Chame pelo seu Nome” (2018) e “Os Girassóis da Rússia” (1970). A vida nunca se submete às nossas vontades; muitas pérolas ficam relegadas ao fundo do oceano.


Filme: Pérolas no Mar
Direção: Matt Palmer
Ano: 2018
Gêneros: René Liu
Nota: 10/10