Delicioso romance com Helen Mirren e Donald Sutherland que vai abraçar seu coração e acalmar sua alma Divulgação / Sony Pictures Classics

Delicioso romance com Helen Mirren e Donald Sutherland que vai abraçar seu coração e acalmar sua alma

Filmes de estrada têm a habilidade de transportar não apenas personagens e atores, mas também a história e o público através das descobertas que um bom filme proporciona. Em “Ella e John”, o diretor Paolo Virzì, conhecido por “Capital Humano” (2013), apresenta uma narrativa que é ao mesmo tempo comovente, engraçada, reflexiva e melancólica, com a ajuda de um casal protagonista com uma rica experiência de vida.

A essência de “The Leisure Seeker” (em tradução livre, “à procura de lazer”), romance de Michael Zadoorian de 2009, é capturada no filme de Virzì. Nele, uma mulher prática e sem requinte, casada há décadas com um intelectual que está começando a enfrentar o Alzheimer, demonstra uma coragem admirável diante da vida e da morte, até que se rende ao inevitável.

Ella Spencer, a personagem principal, decide planejar uma viagem dos sonhos com seu marido John, uma jornada despretensiosa e improvisada. Esse passeio de meio século é uma oportunidade para eles acertarem contas, revisitar memórias, mágoas e receios, e talvez até algumas fantasias. O roteiro, escrito pelo diretor junto com três colaboradores, coloca o casal num Winnebago 1975 creme com listras verdes, embarcando-os de Wellesley, Massachusetts, rumo ao sul dos Estados Unidos para uma visita a um amigo de John, mantendo a audiência incerta sobre o desfecho da aventura até o fim.

Desde o início do filme, Ella e John já estão na estrada, como adolescentes desafiando a autoridade. Sem avisar ninguém, eles partem, deixando o filho mais novo, Will, em desespero. Will busca pelos pais, abre a casa, não encontra ninguém, e na calçada, a vizinha Lillian (interpretada por Dana Ivey) já tem uma explicação pronta. O carro está na garagem, mas o Winnebago desapareceu. Desesperado, Will contacta sua irmã Jane (papel de Janel Moloney), e juntos, ligam para a mãe quando ela finalmente ativa o celular.

Ella tranquiliza os filhos, mas deixa claro que nada a fará desistir do que poderia ser uma tardia segunda lua de mel. Em uma cena num restaurante, no meio da viagem, Ella deixa escapar uma lágrima, sugerindo uma doença terminal que a obriga a tomar grandes doses de oxicodona e uísque para suportar a dor. Ela retorna à mesa e encontra John discorrendo sobre a poesia de Ernest Hemingway, cuja casa-memorial em Key West, Flórida, eles esperam visitar. A garçonete Chantal, interpretada por Gabriella Cila, se comove com a cena. Ella, agora anestesiada, continua a viagem.

O contraste entre Ella e John é o tempero do filme, trazendo autenticidade e humor ao público. Helen Mirren, conhecida por sua interpretação da rainha Elizabeth II em “A Rainha” (2006), brilha, mas é Donald Sutherland quem domina a trama como John. A sintonia entre o ator e seu personagem é tocante, evitando caricaturas mesmo nas diversas piadas sobre a doença de John.

Virzì aborda, ainda que de forma superficial, o descaso do sistema público de saúde americano com os idosos. John, um simpatizante de Donald Trump, apresenta uma incoerência no roteiro que é suavizada por cenas onde recita passagens de “O Velho e o Mar” (1952), transportando o público para o mar de Cuba.

No doloroso final, Ella toma uma decisão que ninguém pode julgar, mas que é monstruosa. A trilha sonora, cuidadosamente escolhida, remete à liberdade com músicas como “Me and Bobby McGee” de Janis Joplin e “Don’t Leave Me This Way” de Thelma Houston. “Ella e John”, na Netflix, mostra que envelhecer e enfrentar o fim inevitável é sempre um drama, e que naufragar nesses mares nunca é doce.


Filme: Ella e John
Direção: Paolo Virzì
Ano: 2017
Gêneros: Comédia/Aventura
Nota: 9/10