Digno de Oscar: o filme mais tocante, cruel e encantador do catálogo da Netflix Divulgação / Diaphana Films

Digno de Oscar: o filme mais tocante, cruel e encantador do catálogo da Netflix

Qual a carência de um homem talentoso, bem-sucedido, que vive sem restrições e atende aos seus desejos mais primordiais e ocultos? Como a vida ensina, só percebemos o valor das coisas quando elas começam a desmoronar. Castelos de ilusões, que se acreditava invencíveis, revelam-se frágeis diante da eternidade, essa sequência de insignificâncias em que somos jogados pelo destino ou por forças superiores.

Quando a jornada da vida se torna curta ou estreita demais, o mundo nos revela novas alegrias em um caminho marcado por dores, como ocorre com o protagonista de “Drive My Car”. Imerso nas referências orientais à urgência da vitória — e ao momento de reconhecer a derrota —, o filme do diretor japonês Ryûsuke Hamaguchi explora os recantos sombrios da alma de um homem que precisa repensar suas emoções e formas de comunicação.

Hamaguchi adapta o conto homônimo de Haruki Murakami, publicado em 2022, capturando a essência de caos e método, e enriquece a narrativa com refinadas alusões a uma joia do teatro universal, em um jogo metalinguístico criativo e inesperado.

A vida de Yûsuke Kafuku, interpretado por Hidetoshi Nishijima, flui em um ritmo serenamente poético. O ator e diretor de teatro aproveita momentos de paz transcendental, como os que seguem os encontros íntimos com sua esposa, a roteirista Oto, vivida por Reika Kirishima, para discutir detalhes de um novo projeto para a televisão.

A trama se desenrola em torno de uma adolescente apaixonada por um colega de classe que invade sua casa para furtar lembranças. O roteiro de Hamaguchi, Murakami e Takamasa Oe mantém Nishijima e Kirishima juntos sempre que possível, provavelmente para intensificar o desconforto do espectador com a ausência de Oto, mais sugerida do que explicada.

Enquanto isso, a narrativa incorpora a obsessão de Kafuku por uma nova montagem de “Tio Vanya” (1898), de Anton Chekhov (1860-1904), com um elenco japonês falando russo, e a presença de Misaki, uma acompanhante para ele após a descoberta de um glaucoma avançado. Tôko Miura personifica essa nova energia vital em um período de morte e doença, esforçando-se também para manter-se afastada dos fantasmas de vidas passadas.


Filme: Drive My Car
Direção: Ryûsuke Hamaguchi
Ano: 2021
Gênero: Thriller/Drama
Nota: 9/10