Escondido na Netflix, suspense de ação ignorado pelo público é um dos melhores dos últimos 3 anos Divulgação / Yannis Drakoulidis

Escondido na Netflix, suspense de ação ignorado pelo público é um dos melhores dos últimos 3 anos

A existência humana é marcada pelo medo constante sobre como reagir às dificuldades cotidianas. Mesmo refletindo exaustivamente sobre suas ações, o indivíduo sabe que, cedo ou tarde, será confrontado com as consequências de suas escolhas e omissões. Em um mundo onde o destino cobra suas contas frequentemente antes do esperado, os seres humanos enfrentam o futuro com um medo que, muitas vezes, se transforma em paranoia. Essa luta incessante entre forças ridículas apresenta a vida como uma sequência interminável de sensações que flertam com o absurdo.

Histórias onde a pessoa comum se vê desprovida de qualquer poder decisório, obrigada a refugiar-se em um universo paralelo enquanto o cenário real é dominado por forças incontroláveis, perturbam a alma do homem comum. Este, sem notáveis ​​qualidades, é inquietado pelo gênio desses humildes de decifrar a atmosfera de obscuridade e decadência intelectual da época. Eles, por sua vez, buscam promover as mudanças que exigem, agindo com paciência e até com um toque de cinismo, duvidando que uma transformação necessária venha a ocorrer.

Como o título sugere, é inevitável discutir “Beckett” sem tocar, mesmo que desafiador, na obra do dramaturgo cujo sobrenome batiza o filme e seu protagonista. Samuel Beckett, o irlandês nascido em 1906 e falecido em 1989, possuía uma habilidade extraordinária para explorar as divindades miseráveis ​​da alma humana, revelando suas pequenas coisas frente a um mundo vasto, implacável e perverso. Não é preciso ser um erudito para perceber que este mundo frequentemente se manifesta como um Estado onipresente, burocrático e faminto por resultados. Quanto mais o homem anseia pela liberdade, mais o sistema lhe demonstra que até isso lhe é negado, forçando-o a suportar suas dores humanas e alimentar a máquina até que a morte o alivie.

O roteiro, desenvolvido por Ferdinando Cito Filomarino e Kevin A. Rice, é uma homenagem ao “Esperando Godot” de 1952, de Beckett. Este texto, originalmente escrito em francês e lançado no Théâtre Babylone em um festival de Paris, ainda marcado pela recente guerra, foi dirigido por Roger Blin. O nome de Beckett é sinônimo do teatro do absurdo, um método encontrado pelo autor para enfrentar a loucura da vida. É este o ponto de partida que Filomarino e Rice utilizam para narrar a história de Beckett, o personagem vívido de John David Washington, que, em férias na Grécia, enfrenta uma série de perigos. A narrativa transforma Vladimir e Estragon em Beckett e sua namorada, April, interpretada por Alicia Vikander. Eles fogem de ameaças, reais ou imaginárias, até que um evento trágico desencadeia uma perseguição, com Beckett se tornando o alvo de antagonistas gregos.

Esse aspecto do enredo de “Beckett” desperta reflexões persistentes. É difícil imaginar que um povo, historicamente submetido como os gregos, possa se voltar violentamente contra um estrangeiro de pele escura. Prefiro acreditar que isso é uma manifestação do teatro delirante de Beckett, adaptada para a tela por um diretor e seu parceiro que se mostra mais audacioso do que o cinema convencional tem sido capaz de absorver recentemente.


Filme: Beckett
Direção: Ferdinando Cito Filomarino
Ano: 2021
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10