Na Netflix: classificada para maiores de 18 anos, descubra uma das histórias de amor mais arrebatadoras de todos os tempos Parisa Taghizadeh / Netflix

Na Netflix: classificada para maiores de 18 anos, descubra uma das histórias de amor mais arrebatadoras de todos os tempos

Uma mulher de beleza notável, refinada e abastada, ocupando uma posição respeitável na sociedade conservadora da Inglaterra pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), encontra-se atraída não pelo jardineiro vigoroso, sensível e, surpreendentemente, leitor de James Joyce (1882-1941), que trabalha para seu marido, mas pelo encanto simples e mágico que ele representa para ela.

 Presa em um casamento infeliz, ainda que sem culpados, “O Amante de Lady Chatterley” narra uma história de amor que também é um estudo sobre o poder do ódio, que se alimenta do amor para crescer silenciosamente, sufocando tudo ao redor com uma delicadeza maldita. A francesa Laure de Clermont-Tonnerre, utilizando-se da obra do britânico D. H. Lawrence (1885-1930), traz para a tela uma das histórias mais liricamente envolventes da literatura mundial, evocando uma época em que as emoções — para o bem e, especialmente, para o mal — eram muito mais intensas e devastadoras.

A personagem de Lady Chatterley é mais proeminente do que seu amante furtivo, o que já sugere muito sobre a mensagem de Lawrence. A igualdade de gênero ainda demoraria a se firmar, mesmo na libertária Europa, adepta do Estado mínimo e do capitalismo selvagem; no entanto, a figura esguia e pálida de Constance Reid revela uma mulher à frente de seu tempo. O roteiro de David Magee omite alguns detalhes, mas Lawrence destaca no romance que sua anti-heroína já possuía experiências amorosas antes de se envolver com Clifford Chatterley, interpretado por Matthew Duckett, por quem se apaixona.

 A postura de Constance ao longo da trama sugere que ela tomou a iniciativa na relação com Clifford, com quem rapidamente se casou. Nesta adaptação, a sexta desde a versão de Marc Allégret em 1955, Emma Corrin encarna uma senhora Chatterley ousada, quase pornográfica, um tanto avançada para os padrões de sua época, mas muito fiel à narrativa de Lawrence.

Lawrence permite que o público faça seus próprios julgamentos sobre Connie, assim como sobre Clifford, um homem fraco cuja decisão de se mudar para a sombria propriedade de Wragby reflete seu desejo de se afastar após voltar da guerra paralisado. Clermont-Tonnerre explora essa pulsão de morte, como fez em “Mustang – Alma Indomável” (2019), ajustando-a ao temperamento inquieto de Lady Chatterley, que também se sente paralisada pela mudança para Wragby.

A performance de Corrin cativa o espectador, tornando compreensível a inação autodestrutiva de sua personagem, até ser abalada pelo encontro que sustenta a narrativa. Uma declaração do marido elimina suas últimas esperanças de um matrimônio menos triste.

Oliver Mellors, o guarda-caça de Wragby, entra na história, assim como J. Pinto Fernandes em “Quadrilha” (1930), de Drummond, mas Mellors se sente um estranho em seu próprio ambiente. Connie começa a frequentar seu chalé, mais insinuante a cada visita. Jack O’Connell rivaliza com Corrin pelo papel principal, aproveitando todas as oportunidades dadas pela diretora. Este amante quase involuntário da patroa rouba a cena, sem traços de vilania, enquanto recita o texto impecável de Lawrence, aproximando o público de sua vida miserável.

Mellors, como Clifford, também foi à guerra, voltou como oficial, mas permanece pobre e desamparado. Sua esposa Bertha, aproveitando-se de sua ausência, enche seus dias com outros homens. A conexão entre Connie e Mellors, marcada pela bibliofilia, inicia sua descida ao inferno: Ned, novo companheiro de Bertha, invade o chalé e encontra um livro de Virginia Woolf (1882-1941) com o nome de Connie.

Até o desfecho melancólico e iluminado, essas almas fustigadas pelo amor e pela maledicência enfrentam desafios. Lady Chatterley se exila em Veneza com sua irmã Hilda, interpretada por Faye Marsay, enquanto Mellors recomeça em um vilarejo escocês. A fotografia de Benoît Delhomme ajuda a esquecer a tristeza dos personagens, especialmente nas cenas idílicas de amor na relva ou na chuva. A plenitude da felicidade, muitas vezes, é apenas isso: um amor confuso, após inúmeras lutas contra esse adorável inimigo.


Filme: O Amante de Lady Chatterley
Direção: Laure de Clermont-Tonnerre
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10