Desde tempos imemoriais, a humanidade vem lidando com substâncias que, ao conferirem uma falsa sensação de poder, corroem a saúde e empurram os indivíduos para um abismo ético cada vez mais profundo. Em “Synchronic”, essa discussão é tratada com uma certa timidez, e mesmo assim, Aaron Moorhead e Justin Benson conseguem suavizar os possíveis choques ao abordar o problema sob a ótica do autoconhecimento aparente, da cura ilusória para traumas de todas as naturezas, até mesmo futuros, e claro, um alívio temporário para um cotidiano opressor que frequentemente resulta em severa depressão.
Essa depressão, por sua vez, leva a problemas físicos que passam despercebidos — ou são ignorados deliberadamente — culminando, eventualmente, em uma morte que pode ser rápida e serena ou angustiantemente prolongada, deixando pouco espaço para a intervenção da ciência. No entanto, este último ponto surge como uma solução artificial para resolver o conflito central do filme, o tormento de dois amigos que se encontram infelizes por diferentes motivos.
O roteiro de Benson é astuto em enganar o espectador. Mãos entrelaçadas em uma cama sugerem um romance iminente; contudo, Travis e Leah, interpretados por Shane Brady e Betsy Holt, estão se preparando para ingerir seus comprimidos de Synchronic, uma droga sintética que distorce a percepção da realidade de forma muito mais intensa do que o conhecido ecstasy ou o antigo LSD, como se pode inferir das belas imagens cuidadosamente editadas por Michael Felker, sob a supervisão dos diretores. Como era de se esperar, as coisas saem de controle, e os paramédicos Dennis Dannelly e Steve Denube são vistos saindo da ambulância com um cadáver sobre uma maca.
A partir desse ponto, Moorhead e Benson desenvolvem as idas e vindas na vida dos personagens de Jamie Dornan e Anthony Mackie, primeiro mostrando o austero cotidiano dos dois no trabalho de prestar primeiros socorros a idosos infartados, vítimas do trânsito de Nova Orleans, Louisiana, e, naturalmente, jovens e adultos enfeitiçados pelo brilho do olho da serpente. Não é por acaso que essa imagem é usada para falar, de maneira sutil, sobre a epidemia de overdoses de narcóticos na cidade, agravada desde a passagem do furacão Katrina, em agosto de 2005.
Denube simboliza esse desejo de transformação de Nova Orleans e de um homem sem rumo — e isso não significa que Dannelly esteja bem. A diferença fundamental entre os dois é que o anti-herói de Mackie reconhece que fez escolhas terríveis e sabe exatamente o que precisa fazer para mudar sua vida, o que seria muito mais fácil se não fosse por um novo e nada promissor evento que se abate sobre ele. Essas cenas dão alma ao filme, mas a sensação de que a narrativa está girando em círculos, como alguém em uma viagem psicodélica, é inevitável. Resta torcer para que Denube encontre seu caminho, embora o final sugira que isso não acontece.
Filme: Synchronic
Direção: Aaron Moorhead e Justin Benson
Ano: 2019
Gêneros: Ficção científica/Suspense
Nota: 7/10