Com uma tensão de apertar o peito, o filme com Jude Law, que acaba de chegar à Netflix, vale cada segundo Divulgação / Focus Features

Com uma tensão de apertar o peito, o filme com Jude Law, que acaba de chegar à Netflix, vale cada segundo

Há uma modalidade muito peculiar de solidão: a solidão masculina. E há uma categoria muito específica de homens: os que passam a vida procurando um meio de expurgar a maldição que lhe rogam num momento qualquer, mesmo que isso implique seu próprio fim. O capitão Robinson de Jude Law, protagonista de “Mar Negro”, é desses homens, e seu propósito megalômano passa por descer a 2.212 metros em águas turvas e inóspitas a fim de botar a mão no tesouro de uma época de batalhas cruentas e opróbrio para a humanidade.

Fetiche para o diretor Kevin Macdonald, essas histórias de sujeitos durões que enfrentam-se a si mesmos para se lançar à conquista do mundo dependem da performance de seus astros para convencer ou, ao menos, despertar alguma empatia no público. Law torce o roteiro de Dennis Kelly a seu gosto, e quando menos se espera, todos somos tragados para o ambiente claustrofóbico do submarino inglês que Robinson comanda, até ser demitido por ficarem obsoletos, a embarcação e ele. A partir daí, começa uma saga cheia de reviravoltas, ao longo da qual vingança e desejo de superação amalgamam-se, a ponto de cegá-lo para uma constatação óbvia.

Diz a voz cava das ruas, coberta de razão, que o homem inteligente aprende com seus erros — e os sábios, com os dos outros. O sentimento de fracasso é, sem sombra de dúvida, um dos venenos mais mortíferos para o vaidoso espírito do homem. Contudo, ao cabo de tantas desilusões, existem aqueles que simplesmente deixam de se importar, como se não fosse possível qualquer margem para avançar, como se a vida congelasse, não por um momento de desdita mais severa, mas para sempre, até que, como sempre sói acontecer, o destino arme uma de suas grandes (e maravilhosas) falsetas.

Gostemos ou não, o tempo passa, muito rápido, na maior parte das vezes, insuportavelmente devagar, a depender das circunstâncias, e homem nenhum é capaz de fazer nada a respeito, por mais que pense o contrário. Podemos, se tanto controlar o avanço dos anos, dos meses, das semanas, dos dias, das horas, e, sendo bastante franco, seria um tormento dos diabos assistir à marcha da eternidade, tudo sempre se repetindo da mesma forma, igualzinho, num mundo cada vez mais populoso, mais caótico, mais tomado de hediondez, com a diferença de se ficar sozinho, não reconhecer mais ninguém a sua volta, sentir-se um exilado na própria vida, um prisioneiro de uma ideia de esperança há muito obsoleta.

Situações extremas têm o condão de pôr a descoberto a genuína natureza do gênero humano. Nesses cenários em que a vida se nos apresenta da maneira exata como cada um é capaz de suportá-la, e é nesse ponto que “Mar Negro” se revela, por meio da obstinação de Robinson, que deseja provar para si mesmo antes que para qualquer outro que não é um inútil, como fazem-no crer. Em que pese o numeroso elenco de coadjuvantes dedicados, Macdonald centra sua história no anti-herói de Law, que dá vida a um marujo desalentado, mas impetuoso, resolvido a trazer à superfície a carga de ouro extraviada de um U-boot nazista naufragado no Mar Negro. Neste filme sempre melancólico, Law é o homem certo para evocar a luta de Robinson consigo mesmo, que no fundo sabe perdida. A impressão que seu semblante lânguido transmite na abertura se confirma, e ele morre na praia. Mas bem-sucedido em sua missão.


Filme: Mar Negro
Direção: Kevin Macdonald
Ano: 2014
Gêneros: Aventura/Thriller
Nota: 8/10