Um dos melhores filmes de 2024: Eddie Murphy em franquia de 3 bilhões e 50 milhões de espectadores chega à Netflix Melinda Sue Gordon / Netflix

Um dos melhores filmes de 2024: Eddie Murphy em franquia de 3 bilhões e 50 milhões de espectadores chega à Netflix

Eddie Murphy parece cansado no pôster de divulgação de “Um Tira da Pesada 4: Axel Foley”. Nada mais falso. Quarenta anos depois da estreia, Murphy supera os tantos obstáculos naturais num enredo tão longevo e tomar parte em sua nova aventura é como passar uma tarde de sábado num lugar mágico como Wonder World, o parque temático homólogo à Disneylândia onde se passa quase toda a terceira parte da tetralogia. 

Depois de quinze anos de constantes ajustes, Mark Molloy pega o texto de Danilo Bach, Will Beall e Daniel Petrie Jr. redondo, livre de qualquer ângulo mais desarmonioso e, claro, o carisma magnético de seu astro continua a ser fundamental para que o mote bastante surrado da história vingue, mantendo crianças dos oito aos oitenta vidradas na tela. 

Como se nota pelo título, Molloy e seus roteiristas pretenderam conferir ainda mais destaque ao protagonista — como se não se tratasse disso desde “Um Tira da Pesada” (1984), de Martin Brest —; neste filme, produzido e distribuído pela Netflix, que comprou os direitos da Paramount, a grande diferença mesmo é que o vovô Murphy encarna um Axel Foley muito mais maduro, propenso a reflexões quanto ao (não) relacionamento com Jane Saunders, ex-Foley, a filha advogada vivida por Taylour Paige com quem se alia para desbaratar a organização criminosa que corrompe o Departamento de Polícia de Los Angeles de dentro para fora. 

Aos poucos, Foley aceita também a ajuda de Bobby Abbott, o detetive mais jovem de Joseph Gordon-Levitt, e os três descortinam um espetáculo quase perfeito, embora padeça aqui e ali dos desnecessários exageros tão comuns em tramas congêneres.

Detroit, a maior cidade de Michigan, no norte dos Estados Unidos, não parece mais tão caótica quanto se vê na introdução do longa de 1984 — ou assim Molloy quer que pensemos —, mas permanece cheia de malandros inofensivos ou nem tanto, de moradores de rua, de pequenos traficantes, de prostitutas adolescentes, mas também de donas de casa idosas e guardas de trânsito bonachões, todos personagens do habitat de Foley, com quem goza de alguma intimidade. 

O diretor tira o mofo das imagens usadas por Brest para aos poucos ir situando o espectador no conflito que justifica mais esse desdobramento de “Um Tira da Pesada”. Axel Foley não se cansa e outra vez mete os pés pelas mãos ao investigar um arrastão durante uma partida de hóquei. Ele sai do estádio com o parceiro Mike Woody, de Kyle S. More, com quem tecia comentários nada politicamente corretos sobre a participação dos negros naquele esporte (que bom que se manteve o espírito anárquico dos anos 1980!) num limpa-neve e as cenas de perseguição, também à moda antiga, sem computação gráfica, confirmam: “Axel Foley” não visa apenas a multiplicar os 730 milhões de dólares arrecadados nas três produções anteriores. Saldo da brincadeira: o veterano deixa sua jurisdição em Detroit rumo as ladeiras glamorosas de Beverly Hills. De novo.

Esse é o gancho de que o diretor se vale para levar a narrativa para seu lado mais refrescante, mas não necessariamente mais fácil. Na Costa Oeste, Jane defende pro bono um prisioneiro jurado de morte por assassinar um policial corrupto, como se vai assistir, e isso acaba sendo mais um motivo dos incessantes atritos entre ela e o pai. 

Murphy e Paige se saem bem melhor que encomenda ao deslindar essa improvável camada de dramaticidade na montanha de comédia física e humor nada sofisticado de “Axel Foley”, e da mesma forma Gordon-Levitt surpreende como a paixão reprimida que Jane tenta sufocar, não por ter se desapontado com ele, mas pela razão nada desprezível de Abbott ser, como Foley, um policial abnegado, durão e compulsivo pela carreira. 

Sua nova ideia fixa é botar atrás das grades o capitão Cade Grant de Kevin Bacon, o anti-Foley por excelência, que não tem nenhum pejo em frequentar a alta roda envergando ternos bem-cortados, sapatos Gucci e Rolex de dez mil dólares. Sabemos muito bem como ele os conseguiu.

A uma análise ligeira, poder-se-ia dizer que “Um Tira da Pesada 4: Axel Foley” é um “Bad Boys 4” (2024), a comédia policial dos marroquinos-belgas Adil El Arbi e Bilall Fallah, com uma dose adicional de sofisticação, mas o filme de Molloy sobrepuja esse rótulo. Desde que soam os primeiros acordes cheios de solos de saxofone de “The Heat Is On” (1984), o contagiante folk rock que Glenn Frey (1948-2016) compôs para acompanhar as investidas e as trapalhadas do mocinho de Eddie Murphy, nutre-se a expectativa de uma delirante viagem no tempo, quando meninos esquisitos deixavam Dostoiévski, Machado e Bandeira de quina e iam para a frente da televisão, sintonizada na “Sessão da Tarde” rir e invejar aquele sujeito boa-praça e seu bigodinho ridículo. Este é um caso raro de sequência que consegue ser muito melhor que o filme original.


Filme: Um Tira da Pesada 4: Axel Foley
Direção: Mark Molloy
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Ação
Nota: 9/10