O Poderoso Chefão Negro: a obra-prima de Ridley Scott com Denzel Washington está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

O Poderoso Chefão Negro: a obra-prima de Ridley Scott com Denzel Washington está na Netflix

Um motorista da máfia, negro, assume os negócios de seu patrão e se torna o rei da heroína na Nova York da década de 1970, até começar a ser caçado por um policial que ama seu ofício. Esse não parece um argumento que prima pelo realismo, mas “O Gângster” comprova seu DNA factual à medida que a história toma corpo. 

Os meandros caudalosos e as várias armadilhas quase improváveis recompensam quem consegue vencer as mais de duas horas e meia — sem dúvida um empecilho, mormente em tempos de um imediatismo criminoso, que faz com que pareça desperdício qualquer segundo adicional numa tomada mais sublime — com uma história que ataca o oportunismo e a hipocrisia de seu personagem central, questionando ainda o que vem mesmo a ser justiça. Tipos como o protagonista e seu algoz, tão magnéticos quanto perigosos, são um capítulo à parte na história do cinema, precisamente por reunirem personalidades antagônicas, mas que se complementam.

Frank Lucas (1930-2019), decerto um dos melhores papéis da rica carreira de Denzel Washington e um dos mais bem-elaborados do cinema, seria um potencial candidato ao título de empresário mais bem-sucedido da América, não fosse por estar no lado nebuloso dos trilhos. Dedicado ao ponto de vislumbrar oportunidades onde os demais enxergam somente problemas, Frank encara a Guerra do Vietnã (1955-1975) como o elemento histórico que pode alavancar o tráfico de entorpecentes pesados na América. 

Ao assistir a uma reportagem que denunciava o vício em opioides dos soldados americanos no Sudeste Asiático, crescente a ponto de se tornar uma epidemia, esse novo gângster encara a parcela de risco que há na máfia (e em tudo quanto pode existir de ilegal) e viaja em pessoa ao palco dos confrontos, a fim de negociar ele mesmo a aquisição de cem quilos da heroína mais pura que conseguisse. Não demora e essa carga se multiplica, por cinco, por dez, até que Frank se torne o chefão do cartel do Harlem, o mais poderoso de Nova York, e o novo mandachuva do bairro de maioria negra da periferia da cidade. 

Ele mesmo fiscaliza a venda da Magia Azul, sua versão para o opiáceo vietnamita, totalmente livre de misturas e que por motivos óbvios não pode patentear, e levanta do nada um império de mais de 250 milhões de dólares, distribuído em boates, oficinas mecânicas e mercearias, que não davam lucro, mas permitiam-lhe lavar o dinheiro das transações subterrâneas. Tanto destaque atrai novos inimigos e a polícia, que passa a rastrear todos os seus movimentos, da expansão irrefreável de seus territórios à relação com Eva, a miss Porto Rico interpretada por Lymari Nadal. No que diz respeito à vigilância constitucional de suas atividades, a tarefa cabe a Richie Roberts, o detetive de Russell Crowe cuja performance ombreia com a de Washington.

Aludindo ineludivelmente à obra de Martin Scorsese, tanto em trabalhos anteriores, a exemplo de “Gangues de Nova York” (2002), como em “O Irlandês” (2019), o drama policial de Ridley Scott também gira em torno de uma figura meio sem crédito entre seus pares, mas que, justamente pela completa ausência de códigos morais e por um dom espantoso no que toca a adaptar-se a qualquer cenário, mesmo os mais volúveis, ganha uma estatura que vai além de seu tamanho. 

Quanto a Richie Roberts, que ao termo de um jogo de gato e rato ao longo de seis anos botou Frank Lucas na cadeia, o detetive abdicou de sua reputação de herói, saiu da polícia e foi trabalhar com seu antigo desafeto, que graças a uma banca de advogados muito acima da média, fez com que o cliente cumprisse uma pena de risíveis quinze anos. Frank Lucas morreu em 30 de maio de 2019, aos 88 anos, gozando de boa parte da fortuna criminosa que o FBI não pôde devolver aos cofres do Tesouro dos Estados Unidos.


Filme: O Gângster
Direção: Ridley Scott
Ano: 2007
Gêneros: Drama/Policial
Nota: 9/10