Hoje é o último dia para assistir na Netflix ao filme com Charlize Theron e Chris Hemsworth, inspirado na obra-prima dos irmãos Grimm Divulgação / Universal Pictures

Hoje é o último dia para assistir na Netflix ao filme com Charlize Theron e Chris Hemsworth, inspirado na obra-prima dos irmãos Grimm

Como sói acontecer, filmes a exemplo de “O Caçador e a Rainha do Gelo” importam muito mais pela forma que pelo conteúdo. O espetáculo visual oferecido por Cedric Nicolas-Troyan, patrocinado em grande parte pela figurinista Colleen Atwood, com onze indicações ao Oscar e três estatuetas, por “Chicago” (2002) e “Memórias de uma Gueixa” (2005), dirigidos por Rob Marshall; e “Alice no País das Maravilhas” (2010), de Tim Burton.

Esta parece ser uma continuação de “Branca de Neve e o Caçador” (2012), de Rupert Sanders, mas aqui o roteiro de Evan Daugherty, Craig Mazin e Evan Spiliotopoulos não tem medo de deformar tudo quanto poderíamos saber acerca da contos de fadas que melhor simbolizam a tradição germanófona, colhido pelos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) e publicado entre os anos de 1817 e 1822, no volume com várias outras fábulas a que deram o nome de “Kinder-und Hausmärchen” (“Contos de Fada para Crianças e Adultos”, ou contos infantis e domésticos, em tradução literal). E o resultado surpreende.

No longa de Sanders, já se prenunciavam as imagens de violência ora no contexto, ora gratuitas que caem melhor na leitura dos Irmãos Grimm. Estreante na direção de trabalhos de fôlego depois de “Carrot Vs Ninja” (2011) — e saindo-se muito melhor em “Kate” (2021), sobre uma assassina profissional que revê sua jornada à beira da morte —, Nicolas-Troyan, cuja marca registrada são mesmo os efeitos especiais, fala da rivalidade das irmãs Ravenna e Freya, centrando a narrativa na personagem de Charlize Theron ou na Rainha do Gelo do título, com Emily Blunt deixando subentendida a loucura que cerca a vilã, antes uma donzela que cria na força terapêutica do amor até ser ludibriada pelo objeto de seu ingênuo sentimento.

Uma melancolia atávica projeta-se do olhar perdido de Freya, que passa de uma mulher radiante para uma velha precoce, de cabeleira grisalha e semblante lívido, cujo grande dom é congelar aqueles que não rezam pela sua cartilha. Sem a menor dúvida, a performance de Blunt é a melhor coisa nessa distopia vesana a respeito das liberdades cerceadas, o envolvimento romântico e mesmo a compaixão definem indivíduos fracos, inábeis para o poder, e o preconceito, inequívoco na sequência em que se descortina uma imensa floresta encantada em que anões ganham a vida pilhando os viajantes que caem em suas arapucas.

Nesse segmento, Eric, um dos ex-caçadores da rainha Freya, caído em desgraça após questionar um ponto de destino, e Sara, uma garota-problema que foge dos domínios da Rainha do Gelo por razões semelhantes, revivem a paixão que os uniu na infância — o que poderia dar mais pano para manga no império bestializado da correção política. É o momento em que a trama ganha cores menos sinistras, e Chris Hemsworth e Jessica Chastain justificam sua escalação, ainda que tardiamente. De novo: esta é uma história que pretere o racional em favor das emoções mais básicas que pulsam em cada um de nós, até nos corações frios como o aço.


Filme: O Caçador e a Rainha do Gelo
Direção: Cedric Nicolas-Troyan
Ano: 2016
Gêneros: Ação/Fantasia 
Nota: 8/10