Comédia dramática com Drew Barrymore e Toni Collette é um dos filmes mais belos da Netflix Divulgação / Ocean Films

Comédia dramática com Drew Barrymore e Toni Collette é um dos filmes mais belos da Netflix

O fim ronda o gênero humano como moscas à volta de um acepipe cheio de creme (mas com notas pronunciadamente amargas), e antes ainda da morte, é o acaso quem se insinua sem pejo a gente de todos os sangues e todas as culturas. É com o acaso que temos de nos haver todo santo dia, ansiando por escapar de suas armadilhas, mas à mercê também de desfrutar de suas repentinas indulgências e viver momentos que, por mais fugazes que venham a ser, legitimam toda uma jornada.

Duas mulheres, duas amigas, duas vidas que se cruzam muito cedo são obrigadas a lidar com a finitude não apenas da bela relação que construíram ao longo de três décadas, mas de muito das fantasias que teimavam em alimentar uma sobre a outra já depois de bem crescidinhas, e “Já Estou Com Saudades” vai se moldando em torno de um desfecho trágico, mas sereno.

Antes, Catherine Hardwicke convida a audiência a participar da rotina de Milly e Jess, as anti-heroínas de Toni Collette e Drew Barrymore, que colocam em prática o carpe diem de Horácio (65 a.C. — 8 a.C.), sem tempo a perder com ninharias de dias mortos. À proporção que a história ganha corpo, mais o texto de Morwenna Banks descortina os lados menos rosicleres das duas, os que guardam para si mesmas e aqueles que dividem uma com a outra, a base para o que justifica o enredo.

O passar do tempo não é garantia de nada. Sócrates (470 a.C. — 399 a.C) foi quem primeiro cantou a bola da inutilidade da velhice ao elaborar o pensamento que reza que quanto mais os anos se sobrepõem uns aos outros, mais o homem se dá conta de sua abissal ignorância — o homem sensato ao menos —, sem mais dispor de toda aquela gordura para queimar, sem conseguir reacender a chama fria da curiosidade frente ao desconhecido, ao novo, à vida mesma e aprimorar o espírito.

Desde o primeiro suspiro, o homem é apanhado numa contenda fidagal contra o único adversário que nunca poderá vencer, passem-se duas horas ou um século. Sem pressa, o mais cínico dos verdugos permite que nos locupletemos com o confortável sofisma que esconde uma promessa qualquer de felicidade, sendo que o gênero humano está essencialmente condenado a perseguir a quimera de ser feliz, já que o mundo é, como na caverna de Platão (428 a.C — 348 a.C), só um simulacro das projeções muito íntimas de cada um, de conceitos eivados de nossas idiossincrasias as mais diversas, que por seu turno mantêm-nos mais e mais encafuados em nossos sonhos e delírios.

Londres parece o cenário perfeito para emoldurar a tristeza que aos poucos se revela para Milly, uma enfant terrible das relações públicas, e Jess, sem profissão definida e que a certa altura só pensa em engravidar do marido, Jago, de PaddyConsidine — os personagens masculinos entram como meros apêndices das protagonistas, embora Considine se saia muito melhor que Dominic Cooper na pele de Kit, o marido egocêntrico, narcisista e meio estúpido de Milly.

Banks usa muito da Jane Austen (1775-1817) de “Razão e Sensibilidade” (1811) a fim de explicar os temperamentos de uma e outra, que elaboram bem a sensação de que estão sempre a um triz do rompimento definitivo, até quando entra em cena o câncer de mama que leva o tipo encarnado por Collette a uma mastectomia dupla, sem nenhum prático, como se assiste alguns lances mais tarde. Nesse ponto, “Já Estou Com Saudades” se reduz a uma versão feminina de “50/50” (2011), de Jonathan Levine, mas Hardwicke trata de honrar seu trabalho na undécima hora, evocando a ideia de que Milly não se torna velha, mas se torna sábia. E essa é a ideia-força aqui.


Filme: Já Estou Com Saudades
Direção: Catherine Hardwicke
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10