Visto por mais de 50 milhões de pessoas, filme indicado ao Oscar e baseado em tragédia que impactou o mundo está na Netflix Quim Vives / Netflix

Visto por mais de 50 milhões de pessoas, filme indicado ao Oscar e baseado em tragédia que impactou o mundo está na Netflix

Como se poderia imaginar, “A Sociedade da Neve” não traz novidades significativas. Nada no filme do diretor espanhol J.A. Bayona justificaria revisitar o acidente do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, ocorrido em 13 de outubro de 1972. Este desastre resultou na morte de 29 pessoas sob as circunstâncias mais violentas e terríveis e deixou dezesseis sobreviventes perdidos em uma área isolada e gelada da Cordilheira dos Andes, no oeste da Argentina, por aproximadamente dois meses e meio.

No entanto, a riqueza de detalhes e o apelo estético do trabalho de Bayona, que orienta o diretor de fotografia Pedro Luque Briozzo Scu a intensificar as tonalidades do desespero, retratando a neve e os rostos daqueles homens em tons aflitivos de azul, em um contraste inescapável e melancólico com o branco brilhante do sol invernal nas locações dos Andes e da região espanhola de Sierra Nevada, oferecem um novo fôlego à história. Além disso, os enquadramentos intimistas, focando as bocas laceradas pelo vento gelado quase todo o tempo, reforçam essa atmosfera angustiante.

O roteiro, assinado pelo diretor, Nicolás Casariego Córdoba, Jaime Marques-Olearraga e Bernat Vilaplana, é baseado no livro homônimo do jornalista uruguaio Pablo Vierci, publicado em 2009, e inclui testemunhos diretos de quem enfrentou a morte e sobreviveu para contar a história. Embora possa parecer uma repetição, o texto recaptura a vivacidade de um episódio que se acreditava estar enterrado para sempre. Mesmo os mortos ainda têm algo a dizer.

É difícil de acreditar, mas todos os envolvidos no desastre tinham vidas plenas. Assim como Frank Marshall fez em “Vivos” (1993), Bayona dedica uma parte considerável de “A Sociedade da Neve”, na Netflix, a mostrar a vida dessas pessoas antes de suas existências serem abaladas pela tragédia. A partida de rúgbi disputada pelo Old Christians Club, uma equipe universitária de Montevidéu, revela as personalidades verdadeiras dos jogadores. O impulsivo capitão Roberto Canessa, interpretado por Matías Recalt, lidera os colegas e se destaca por manter o controle do jogo. No entanto, após a queda do avião, é Numa Turcatti (1947-1972), vivido por Enzo Vogrincic, quem assume as rédeas do grupo, tornando-se a consciência crítica de quem precisa sobreviver dia após dia nas montanhas, enfrentando o frio extremo e a falta de recursos.

Numa é um dos primeiros a sucumbir, pesando menos de 25 quilos, devido à sua recusa em consumir os restos mortais dos que não sobreviveram ao impacto. Esse tema, igualmente delicado, é evitado por Bayona, tal como foi no filme de três décadas atrás. A solução encontrada pelo diretor para amenizar a polêmica foi retratar Numa como uma espécie de oráculo, uma entidade à qual os sobreviventes se dirigem, desconfiados e sem muita convicção, acreditando que seu espírito reserva-lhes um justo desprezo.

O esperado resgate acontece no 72º dia. A edição acelerada de Jaume Marti e Andrés Gil, crucial na sequência em que a aeronave colide com a rocha e começa a se desintegrar, mantém sua relevância. Assim, inicia-se outra agonia para os sobreviventes, agora esqueléticos, maltrapilhos, malcheirosos e ulcerados, que são forçados a reintegrar-se ao mundo real e a seus detalhes cotidianos mais triviais, readaptando-se ao chuveiro, a refeições quentes e, principalmente, à procura de seus familiares, que os recebem com uma mistura de alívio e incredulidade. Numa Turcatti não teve direito a nada disso, mas certamente não carrega na alma o horror de ter sobrevivido às custas da própria salvação.


Filme: A Sociedade da Neve
Direção: J.A. Bayona
Ano: 2023
Gêneros: Thriller/Aventura/Drama 
Nota: 8/10