O filme que Keanu Reeves considera o mais injustiçado de sua carreira está na Netflix Divulgação / Cross Creek Pictures

O filme que Keanu Reeves considera o mais injustiçado de sua carreira está na Netflix

Malgrado usar de muita tecnologia, filmes como “Cópias — De Volta à Vida” pagam tributo a “Frankenstein” (1818) — e é mesmo difícil superar a genialidade de Mary Shelley (1797-1851) quanto a inventar cenários e situações que ainda tenham algo de novo a dizer a respeito de um indivíduo que renasce fora de seu tempo, deslocado, absorto pela mágoa, na eterna busca do brio que julga ainda poder recuperar. 

As referências ao monstro nascido da pena de Shelley, releitura de um clássico da mitologia grega, delirante, perturbador e filosoficamente refinado, com o qual a autora perpassa a fragilidade humana, nunca deixam as entrelinhas, mas o diretor Jeffrey Nachmanoff é esperto o bastante para não perder de vista o farol que a escritora britânica acendera há dois séculos, e centra suas atenções na cornucópia de implicações éticas que a clonagem humana fomenta desde o princípio dos tempos, mais palpável depois de 22 de fevereiro de 1997, quando a equipe coordenada pelo biólogo escocês Ian Wilmut (1944-2023) anunciou a réplica de uma ovelha, a quem deram o simpático nome de Dolly, em homenagem à cantora country Dolly Parton. 

O roteiro de Stephen Hamel e Chad St. John nunca consegue ser tão sutil quanto outras peças cinematográficas recentes que abordam o tema com desvelo e uma dose generosa de cinismo e poesia, a exemplo de “Ex_Machina — Instinto Artificial” (2015), de Alex Garland, a melhor delas, e se contenta em reproduzir clichês sem muita convicção.

O pavor do homem frente à decrepitude e ao fim da vida é presente na história desde o princípio dos tempos. Talvez para nos inspirar a todos, fiéis ou não, o “Gênesis”, no Antigo Testamento bíblico, conta a história de Matusalém, patriarca da humanidade e avô do célebre Noé, que teria vivido 969 anos. 

Como seria possível a Matusalém alcançar tal proeza, visto que não se dispunha nem de indícios da medicina como a conhecemos hoje — moderna, arrojada, fundamentada em pesquisas que levam anos para serem concluídas — e muito menos da tecnologia de ponta que cerca (e sufoca) sociedades ao redor do mundo em campos os mais diversos, da medicina propriamente dita à biologia, passando pela engenharia e mergulhando na indústria automobilística e de cosméticos, por exemplo, é um mistério da fé. 

William Foster, o anti-herói de Keanu Reeves, é o neurocientista-chefe das Indústrias Bionyne, um centro de pesquisa experimental em Arecibo, a oitenta quilômetros de San Juan, a capital porto-riquenha. Até aí, morreu o Neves; o problema é quando ele decide que é hora de dar o próximo passo no estudo de um exoesqueleto comandado pela consciência de um defunto, acreditando que dessa maneira, diz ele, nunca mais haverá soldados mortos em guerras pelo mundo ou velhos não terão de amargar as humilhações do Alzheimer — sem perceber que, por óbvio, novos males decerto irão surgir. Ainda no primeiro segmento, Foster é obrigado a lidar com o horror de perder a esposa, Mona, de Alice Eve, e os três filhos do casal num acidente no carro que ele dirigia. 

O propósito do filme era trabalhar o remorso do personagem diante da tragédia, mas Nachmanoff prefere insistir na autossuficiência de Foster, que como aquele vetusto personagem do “Gênesis”, reivindica sua cota de eternidade, com mais que cadeiras de rodas, próteses ósseas, óculos de grau, tintas de cabelo. É uma lástima.


Filme: Cópias — De Volta à Vida
Direção: Jeffrey Nachmanoff
Ano: 2018
Gêneros: Ficção científica/Suspense 
Nota: 7/10