Aclamado em Cannes e indicado a 50 prêmios, a obra-prima de Wong Kar-Wai, “Amor à Flor da Pele”, narra a relação platônica entre dois vizinhos de apartamento que convivem e compartilham a ausência de seus companheiros. Ambientado na década de 1960, em Hong Kong, Chow Mo-wan (Tony Leung Chiu-wai) e Su Li-zhen (Maggie Cheung) se conhecem após se mudarem para apartamentos vizinhos.
Cada um vive com seu respectivo cônjuge, no entanto, Wong Kar-Wai nunca nos apresenta seus rostos. Eles são presenças invisíveis. Mas a escolha estilística do cineasta não é despropositada. Tanto a esposa de Chow, como o marido de Su, viajam constantemente a trabalho, deixando seus companheiros solitários a maior parte do tempo.
Chow é editor em um jornal, enquanto Su é secretária em uma empresa de exportação. As profissões de seus companheiros não são esclarecidas, mas isso é mais um elemento que o cineasta usa para simbolizar a desconexão emocional dos protagonistas em relação aos seus casamentos, tornando-os figuras abstratas, presenças distantes e invisíveis, enquanto a narrativa se concentra em Chow e Su.
O enredo os acompanha em seus cotidianos, sempre insinuando uma possível atração entre os protagonistas. A todo instante acreditamos que haverá um momento crucial em que Chow e Su vão se entregar a um relacionamento adúltero. No entanto, a primeira reviravolta do filme é quando descobrimos que, na verdade, os cônjuges de ambos estão se relacionando. Este é o ponto de partida para uma aproximação entre eles, que começam a encenar e conjecturar como seus companheiros começaram um romance.
Chow e Su passam a ter encontros diários e noturnos, onde discutem suas emoções diante da traição, treinam confrontar seus parceiros e compartilham seu sofrimento de forma íntima, porém respeitosa e contida. Embora exista um sentimento correspondido, eles jamais externalizam essa troca. Sua relação se torna platônica e ambígua. Até que as suspeitas e desconfianças de vizinhos e colegas de trabalho provocam em ambos desconforto o bastante para decidirem pelo fim da amizade.
O filme esmiúça de maneira poética e melancólica um amor jamais concretizado, as consequências das nossas escolhas, o peso das lembranças e o afiado “e se” que carregamos no peito ao longo da vida. A sensibilidade de Wong Kar-Wai ao explorar uma conexão profunda formada por meio da solidão e do engano, além da delicadeza em retratar o amor por meio de gestos discretos e olhares, foram cruciais para elevar “Amor à Flor da Pele” à obra-prima.
Influenciado por “Hiroshima Meu Amor”, de Alain Resnais, Wong Kar-Wai lida com a memória por meio da narrativa fragmentada. A cinematografia é essencial para dar o tom lírico do filme, usando uma paleta que abusa dos vermelhos e dourados para destacar a paixão e a nostalgia, além da saturação e das sombras, dando um toque noir. Os enquadramentos, repletos de molduras de portas, janelas, espelhos e outros objetos criam a sensação de voyeurismo e intimidade. O travelling em engagement observa atentamente as reações de cada personagem. Embora aparentemente simples e com poucos papeis, o filme levou 15 meses para ser completamente gravado, porque Wong Kar-Wai refazia várias cenas, mudava o roteiro e deixava com que os protagonistas improvisassem diálogos, dando maior realismo e emoção para a trama. O filme está disponível para quem tem assinatura premium no Prime Video.
Filme: Amor à Flor da Pele
Direção: Wong Kar-wai
Ano: 2000
Gênero: Drama/Romance
Nota: 10