A história de amor mais bonita e dolorosa de 2024, na Netflix Divulgação / Netflix

A história de amor mais bonita e dolorosa de 2024, na Netflix

Nem sempre acordamos vivos. Há dias em que notamos a carranca da morte a subtrair-nos o ânimo, poluindo todo o ar com que, a custo, enchemos os pulmões e não demora até que o veneno se espalhe, o desalento vença e tudo fique cinza, demasiado austero, e exale também o mau cheiro da finitude. 

Mesmo propositadamente artificiosos, é impossível que enredos como o de “Até que as Cores Acabem” não (re)acendam em nós a velha chama sem nome que, malgrado sibilina, faz questão de manifestar sua potência. O roteiro do diretor Takahiro Miki dá profundidade dramática a “YomeiIchinen para Senkoku Sareta Boku ga, Yomei Hantoshi no Kimi para DeattaHanashi” (“a história de como eu, a quem disseram que só tinha um ano de vida, conheci você, que só tinha meio ano”, em tradução literal do japonês), publicado originalmente por Ao Morita num site de trabalhos amadores online, em 2023, e o longo título não deixa margem para dúvidas. 

A história de um amor sem lugar neste mundo, condenado não por uma, mas por duas doenças terminais, compromete, sim, a verossimilhança da narrativa — que se fosse a reprodução fiel de um episódio da vida como ela é não despertaria tanta suspeita. De qualquer maneira, o filme de Miki arranca lágrimas sinceras menos pela crueza da trama que pela afinidade do elenco.

Quanto mais se vive, mais se cristaliza em nós a ideia de que a vida é um curioso desafio, em que vencida cada etapa, impõe-se nós a seguinte, e mais outra, e outra ainda, até que essas mil situações que mais parecem testes a nossa resistência, se tornem para nós a fonte mesma do que podemos ter de mais genuíno, a capacidade de suportar a incerteza fundamental que cobre tudo, desfaz dos planos mais ordinários com que nos atrevemos a sonhar, atropela com brutal violência o que julgamos precioso e sobrepuja-nos sua natureza sobranceira, de uma sombra que eclipsa qualquer luz, do funesto que macula de castigo hediondo a salvação possível e aturde-nos mesmo no que temos de mais indevassável, que pensávamos só nosso, nos detalhes de nós mesmos que julgávamos conhecer tão bem, reafirmando estar sempre muito certa do domínio que exerce sobre todas as criaturas. Akihito Hayasaka e Haruna Sakurai estão unidos pelo infortúnio. 

Num rápido flashback, o diretor-roteirista esclarece que algo de trágico acontece com o personagem de Ren Nagase, que encontra Haruna no terraço de um hospital. Isso se confirma quando numa conversa despretensiosa ela diz que padece de uma “doença rara que afeta uma pessoa a cada centena de milhares”, congênita, e ele, como se vai assistir, descobriu um tumor no coração. Miki leva essa atração sufocada até o último minuto, dispondo do carisma de Nagase e Natsuki Deguchi para sustentar um conto de amor sem esperanças, mas cheio de poesia. E, pelo que se vê neles, esse sentimento se consuma mesmo no Paraíso.


Filme: Até que as Cores Acabem
Direção: Takahiro Miki
Ano: 2024
Gênero: Romance/Drama
Nota: 8/10