O filme de 12 minutos que vale a assinatura da Netflix Divulgação / Netflix

O filme de 12 minutos que vale a assinatura da Netflix

Los Angeles sempre foi uma cidade misteriosa. Na Cidade dos Anjos, onde se gozam quase todas as falsas delícias do mundo, tem-se claro que nenhuma delas é capaz de satisfazer a vastidão das necessidades e das humanas carências. Toma-se o prato uma, duas, mil vezes, até que o que era deleitoso acaba por largar um travo de amargura que sabe a podre, que envenena e, pior, vicia. 

O desejo, ardendo na alma do homem desde o princípio dos tempos, vaga pelo ar quente dessa terra mais maldita que santa, levando os homens a cometer toda sorte de desatinos. Apresentando um caso inverossímil, assumidamente plantado no terreno da fantasia, mas nem por isso menos perturbador, “Meridian” vibra nesse diapasão. Doze minutos são o bastante para que Curtis Clark coloque em prática sua veia experimental, na forma e no conteúdo, nessa ordem. 

O curta dirigido por Clark a partir do roteiro assinado com James Harmon aproveita para testar a tecnologia Interoperable Master Format, o IMF, com maior capacidade quanto a padronizar dados como cor e nitidez em televisões 4K HDR e celulares mais modernos. O efeito pode ser sentido pelos contornos mais firmes e superfícies menos chapadas, o que acabou por dar o tom em produções de discreto alcance midiático.

Terra da perdição, cheia de tipos sombrios, ainda que talentosos, muitos com contas a acertar com um passado de vergonha e delinquência, a Los Angeles de 1947 reflete praticamente tudo quanto a cidade é neste nosso insano século 21, sete décadas mais tarde. Homens são feitos de obsessões, mas há quem se deixe vencer pelos gostos e apetites que julga maiores que sua própria vida, lançando-se ao precipício para o qual também arrasta muitos, numa manobra tão perversa como terminante. Nem sempre estamos prontos para as reviravoltas da vida, mas assim mesmo elas assaltam-nos sem pena, querendo que reajamos à altura. 

As mudanças que pensamos ser imprescindíveis para nossa felicidade revelam-se sem efeito — ao menos o efeito que esperávamos —, e quando se percebe que as transformações verdadeiramente salvíficas custam muito mais, o desespero campeia. O diretor e seu corroteirista situam a história no cenário abafadiço de uma repartição do departamento de polícia onde dois detetives conversam. 

Mac Foster, o mais velho, dá instruções sobre como devem conduzir o caso do desaparecimento de três homens numa praia recortada por um imenso rochedo. Jake Sullivan, o investigador com menos tempo de casa, talvez suspeite do quão exaustivo podem ser as averiguações sobre maníacos que fazem suas vítimas sem deixar rastros, e à medida que o enredo toma corpo, Foster e Sullivan avançam em direções opostas no que toca à possível autoria de sequestros em cadeia. O chefe já sabia que os três eram estranhos entre si, e o fato de serem divorciados é o único elo a uni-los.

Kevin Kilner e Reid Scott dominam a cena, até que Clark decide recrudescer a carga de ilogicidade. Uma gruta na rocha guarda enigmas como um boneco de ventríloquo, um relógio cujos números giram sem parar, um mosaico de vidro e imagens de Foster expostas na parede. 

Ao deslocar-se até a caverna, seu assistente se depara com uma imagem de mulher no banco de trás, que some quando ele se vira. Elyse Levesque incorpora a entidade que rege o que Los Angeles não ousa contar para ninguém, num conto absurdo sobre os sonhos que os grandes centros urbanos matam sem remorso. E sem que nunca se saiba.


Filme: Meridian
Direção: Curtis Clark
Ano: 2016
Gêneros: Ficção científica/Thriller
Nota: 8/10