Adaptação de belíssimo clássico da literatura europeia está na Netflix Divulgação/Netflix

Adaptação de belíssimo clássico da literatura europeia está na Netflix

As tragédias moldam a existência humana de tal maneira que, se algum dia todos conhecêssemos a felicidade plena e contínua, provavelmente nos transformaríamos em uma outra espécie, diferente dos homo sapiens sapiens, os seres que sabem que sabem. A humanidade se divide entre os céticos, que ainda acreditam em milagres, e os cínicos, que atribuem um tom sobrenatural a todos os acontecimentos. “Amor Esquecido”, a versão de Michał Gazda para um clássico do cinema polonês, explora essas e outras incongruências do espírito humano através da história de Rafał Wilczur, um cirurgião renomado que parece buscar redenção após uma série de erros que o fizeram retroceder na vida.

Assim como em “The Quack” (1982), dirigido por Jerzy Hoffman, Gazda dedica grande parte da narrativa ao protagonista central, com Leszek Lichota transformando-se radicalmente ao encarnar o lado sombrio de Wilczur. Essa abordagem é arriscada e quase ultrapassa o limite do drama, arriscando cair no melodrama sem aviso. O gosto recente do público polonês por histórias intensas e emotivas é algo relativamente novo. Antes do filme de Hoffman, Michał Waszyński, um ucraniano que dirigiu a primeira adaptação do romance de Tadeusz Dołęga-Mostowicz, optou por uma abordagem mais sóbria em “Professor Wilczur” (1938), inspirada pelo clima tenso dos dias que antecederam a Segunda Guerra Mundial.

O roteiro de Marcin Baczyński e Mariusz Kuczewski foca nas desventuras de Wilczur, revelando aos poucos os segredos de outros personagens ao longo de 140 minutos. Desde o início, Lichota insinua as futuras desgraças de seu personagem, embora a razão exata da transformação de Wilczur permaneça nebulosa. O trauma físico da briga na taverna é uma explicação superficial; parece mais que Wilczur usa isso como uma desculpa para fugir do mundo e de si mesmo. Apesar da aparência desgrenhada, Wilczur mantém seus modos aristocráticos, conferindo à narrativa um ar previsível.

Quando Maria Kowalska aparece, a dinâmica muda. A atuação perspicaz de Kowalska ilude o espectador sobre a relação que ela e Wilczur irão desenvolver, sugerindo uma profundidade inesperada.

Esta versão do romance de Dołęga-Mostowicz, no entanto, não alcança o status de cult do filme de Hoffman, que ainda é exibido regularmente na televisão polonesa em datas especiais, como o Dia de Todos os Santos e a Páscoa. “Amor Esquecido”, na Netflix, de Gazda, apesar de ser uma boa tentativa, não consegue conquistar um lugar duradouro na memória do público.


Filme: Amor Esquecido
Direção: Michał Gazda
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 7/10