Baseado em livro de Graciliano Ramos, uma das mais lindas obras-primas do cinema nacional está na Netflix Divulgação / Sino Filmes

Baseado em livro de Graciliano Ramos, uma das mais lindas obras-primas do cinema nacional está na Netflix

Baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos, “Vidas Secas” é um marco na produção cinematográfica nacional e no movimento artístico do Cinema Novo Brasileiro, que durou entre as décadas de 1950 e 1960 e foi inspirado pelo neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague e foi praticamente um manifesto contra Hollywood. Estes movimentos buscavam retratar a vida em sua complexidade e profundidade, tendo como características a inovação em enquadramentos, montagem e estilo de narrativa.

“Vidas Secas” possui bastante da chamada “estética da fome”, que tinha como intuito retratar a dureza e crueldade da realidade das pessoas mais comuns e pobres no Brasil. Os filmes deste movimento brasileiro eram feitos por amor, por arte e por intelectualismo, muitas vezes sendo caracterizados pelo baixo orçamento e pelos temas políticos. “Vidas Secas” é ambientado no Nordeste, enquanto narra a triste e resiliente jornada de uma família de retirantes em busca de uma vida melhor.

O filme começa com a família caminhando sob um sol escaldante. Enquanto Vitória carrega um dos filhos no colo, o mais velho, exaurido pela longa caminhada em um calor extremo, se joga no chão e começa a chorar, se negando a seguir em frente. O pai, Fabiano, grita e bate no menino, tentando forçá-lo, sem sucesso, a continuar a caminhada. Vendo que o menino foi tomado pelo cansaço e pela tristeza, ele o joga sobre seus ombros e continua a andança que parece não ter fim com destino a qualquer lugar minimamente melhor. A família é acompanhada pela cadela Baleia, que por diversos momentos traz alegria e esperança para todos.

Até que eles chegam em uma cidade pequena e empobrecida, onde Fabiano convence um fazendeiro a lhe contratar como vaqueiro. O patrão, no entanto, é um homem miserável, que paga menos que o combinado e ainda ameaça demití-lo caso haja reclamações.

O sofrimento da família não acaba com seu estabelecimento, mas eles passam por diversos percalços, como a prisão injusta de Fabiano e a morte de Baleia, momentos dramáticos no filme que exprimem o sofrimento sem fim da base da pirâmide social no Brasil.

O filme é, em grande parte, silencioso e os diálogos possuem uma cadência marchada, como se seus personagens o fizessem de maneira robotizada e isso caracteriza o estilo de vida daquelas pessoas, que vivem de maneira lenta, repetitiva e marcada por um esforço contínuo. Há pouca marcação nas pontuações, demonstrando que não há emoções como felicidade ou surpresa. O falar é mecânico como o sobreviver.

Além disso, os personagens não falam além do necessário, demonstrando uma introspecção, um isolamento do mundo e um silêncio que preenche o filme com uma profundidade emocional maior que as palavras. A cadência também é uma escolha estilística de Nelson Pereira dos Santos, que quis ser fiel à escrita de Graciliano.

Com uma fotografia que valoriza as imagens reais do Nordeste, intensificado a sensação de desespero e dureza da paisagem, além da cor em preto e branco, reforçam a narrativa melancólica e sombria. O filme nos arrebata para dentro de seus cenários desoladores e os movimentos de câmera discretos não querem chamar mais atenção do que o mais importante: a história.

O andamento arrastado do filme nos lembram da vida lenta e monótona dessas pessoas, seus dias longos de espera por uma vida melhor que nunca parece chegar. Essa obra-prima brasileira está na Netflix.


Filme: Vidas Secas
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Ano: 1963
Gênero: Drama
Nota: 10