Um dos filmes mais brilhantes e hilariantes do cinema está na Netflix Divulgação / Warner Bros.

Um dos filmes mais brilhantes e hilariantes do cinema está na Netflix

Desde tempos imemoriais, os bastidores de Hollywood instigam uma curiosidade que oscila entre a inocência e a morbidez entre aqueles que jamais saberão exatamente o que acontece na famosa região de Los Angeles. O cinema imortalizou esse local aparentemente sem graça do oeste americano como uma terra onde as oportunidades surgem do nada, projetando-se em direção ao sol resplandecente da Califórnia, assim como as inúmeras palmeiras que suavizam a aridez do cenário.

Esses filmes ganharam um lugar especial no coração do público, celebrando a ideia de que o sucesso é acessível a todos em Hollywood — e, por extensão, nos Estados Unidos. Tal narrativa, que idolatra o trabalho árduo e a meritocracia, é um reflexo do capitalismo, amplamente sustentado pela próspera economia americana, que, embora enfrente períodos de retração, nunca seca completamente. A indústria cinematográfica, com seu vasto repertório de clichês, ocasionalmente revela obras-primas que desafiam normas e oferecem novas perspectivas sem exagerar, permitindo uma apreciação mais ampla e inesperada.

No entanto, Hollywood está longe de ser o paraíso idealizado por muitos espectadores, uma verdade frequentemente explorada pelo próprio cinema em filmes que revelam histórias menos convencionais sobre o que ocorre enquanto os filmes são produzidos, estrelas têm crises de temperamento e atores, especialmente atrizes, lidam com assédios indesejados de produtores inescrupulosos.

Shane Black é um mestre em retratar essa Hollywood oculta e quase proibida. Um veterano do círculo mais fechado de Los Angeles, Black acumulou uma fortuna aos 26 anos com o aclamado roteiro de “Máquina Mortífera” (1987), dirigido por Richard Donner (1930-2021). Em “Dois Caras Legais” (2016), ele assume o papel de diretor, desafiando os clichês eternos com um dos trabalhos mais inovadores que o cinema já viu.

Assim como “Dois Caras Legais” não é um filme convencional, seus anti-heróis também seguem essa mesma lógica. O roteiro, co-escrito por Black e Anthony Bagarozzi, é uma compilação deliciosa de absurdos, especialmente com a performance de Ryan Gosling como Holland March, um detetive particular desastrado. Entre as várias peculiaridades do personagem, descobre-se que ele perdeu o olfato após um acidente, complicando ainda mais sua carreira em um mercado competitivo. A falta de faro de March resultou na morte trágica de sua esposa, quando um vazamento de gás passou despercebido, culminando em uma explosão. Embora ame claramente sua filha de 13 anos, Holly, interpretada de forma brilhante por Angourie Rice, March demonstra uma completa inaptidão em educá-la.

Holly, uma personagem quase caricata, acompanha o pai em seus encontros nos locais mais sórdidos, incluindo um bordel de luxo central para a trama, onde trabalhava Misty Mountains, uma atriz pornô vivida por Murielle Telio. O assassinato de Misty leva March a encontrar figuras como Amelia, uma jovem rebelde interpretada por Margaret Qualley, e Jackson Healy, um brutamontes encarnado por Russell Crowe, que se especializa em dar surras por encomenda. A interação entre esses homens, tão diferentes e igualmente falhos, define a evolução da trama até seu desfecho surpreendente, semelhante ao visto em “Agente Oculto” (2022), também estrelado por Gosling.

“Dois Caras Legais” ofereceu uma experiência de rara diversão para Gosling e Crowe, e essa sensação é transmitida com maestria ao público. Não é frequente que o cinema acerte em tantas áreas simultaneamente, e quando isso ocorre, deve-se analisar atentamente o fenômeno. É intrigante que nunca tenha havido uma continuação para essa obra-prima. Aliás, até entendo o motivo.


Filme: Dois Caras Legais
Direção: Shane Black
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Mistério/Crime/Comédia
Nota: 9/10