Ficção científica, na Netflix, vai pegar seu cérebro e colocá-lo em um moedor de carnes

Ficção científica, na Netflix, vai pegar seu cérebro e colocá-lo em um moedor de carnes

Albert Einstein, com sua célebre teoria da relatividade publicada em 1905, introduziu a noção de que o tempo é flexível, sujeitando-se às leis da física que permanecem invariáveis para todos os sistemas de referência inercial. Esse princípio revolucionário é sutilmente explorado pelo diretor Oriol Paulo em “Durante a Tormenta”, onde ele transforma os rigorosos conceitos científicos em uma intrigante ficção científica.

No filme, uma tempestade atinge simultaneamente dois períodos: 1989 e 2014. A escolha de 1989 não é aleatória; este foi o ano da queda do Muro de Berlim, um evento que Eric Hobsbawm, destacado historiador, definiu como o verdadeiro fim do século 20. Há um interessante paralelo entre Hobsbawm e Einstein, ambos judeus que emigraram para os Estados Unidos em 1933 para escapar do regime nazista de Adolf Hitler. Embora seus campos de atuação fossem distintos, ambos marcaram a história com suas contribuições.

Hobsbawm, defensor das ideologias marxistas e membro do Partido Comunista do Reino Unido, considerava a queda do Muro de Berlim como o início do fim das utopias igualitárias, cedendo espaço ao capitalismo desenfreado. Este evento histórico é um dos muitos elementos que Oriol Paulo utiliza para ancorar seu filme na realidade enquanto explora a ficção.

Em “Durante a Tormenta”, a história começa com Nico, um garoto que, em 1989, está tocando guitarra enquanto uma tempestade se desenrola. Ele grava tudo com uma filmadora VHS até ser interrompido por gritos provenientes de uma casa vizinha. Ao investigar, Nico testemunha um assassinato e, em pânico, foge para a rua onde é fatalmente atropelado por um caminhão. Vinte e cinco anos depois, Vera, seu marido David, e sua filha Gloria se mudam para a antiga casa de Nico. Vera, interpretada por Adriana Ugarte, descobre a velha filmadora e a televisão no armário e, inexplicavelmente, estabelece uma conexão com Nico no passado.

A partir desse ponto, Vera tenta salvar Nico, alertando-o sobre o perigo que enfrentará. Sua intervenção no passado evita a morte do garoto, mas provoca uma série de eventos imprevisíveis, um clássico efeito borboleta. Em consequência, a realidade de Vera se transforma drasticamente: ela deixa de ser enfermeira para se tornar neurocirurgiã, seu marido está casado com outra mulher, e sua filha Gloria nunca nasceu.

Deslocada em uma realidade alternativa, Vera luta para recuperar seu lugar original na linha do tempo. A narrativa é um emaranhado de subtramas que se desenrolam a um ritmo bem calibrado, garantindo que o espectador consiga acompanhar as complexidades e peculiaridades de cada personagem. Oriol Paulo cria um jogo psicológico, torcendo a história de maneira a manter o público constantemente envolvido.

Assim como em seu trabalho anterior, “Um Contratempo” (2016), Paulo explora os caprichos do tempo, propondo reflexões sobre as imposições biológicas, históricas, políticas e científicas que o ser humano enfrenta. Ele sugere que o tempo é uma entidade que molda a vida humana, muitas vezes sem retribuição. Para alguns, viver é aprender a manipular o tempo para extrair dele sabedoria; para outros, é uma batalha constante contra um inimigo implacável.

“Durante a Tormenta”, na Netflix, convida o espectador a refletir sobre os impactos de pequenas ações e as grandes mudanças que elas podem desencadear. A capacidade de alterar eventos passados, ainda que apenas na ficção, levanta questões profundas sobre destino, livre-arbítrio e a natureza do tempo. Oriol Paulo, com sua narrativa habilidosa, desafia o público a considerar as implicações de suas escolhas e o papel inexorável do tempo na vida humana.


Filme: Durante a Tormenta
Direção: Oriol Paulo
Ano: 2018
Gênero: Suspense/Drama/Ficção Científica
Nota: 9/10