Não podia deixar de prestar uma homenagem ao cantor Chrystian, recentemente falecido. Afinal, nascemos na mesma cidade. Não. Não éramos amigos. Na verdade, nunca nos encontramos. Ele não me conhecia. Eu o conhecia, por ser uma pessoa pública, desde os tempos em que cantava baladas românticas em inglês e pegava a Gretchen. Gostava de ouvir “Please don’t say goodbye”. Gostava de ver a Gretchen rebolando o bumbum na cara da gente durante os programas de auditório que passavam na TV.
Quem me conhece minimamente sabe que eu não curto música sertaneja. Aprecio, sim, os clássicos da música caipira, a chamada música de raiz, contudo, até mesmo para me regozijar escutando esse tipo de repertório, preciso estar inserido no ambiente mais propício, quer seja no campo, quer seja numa quermesse de cidade interiorana. Não consigo chegar em casa após um dia exaustivo de trabalho e colocar música caipira para tocar. Simplesmente, não funciona comigo.
Portanto, eu acompanhava à distância, sem maior interesse, a carreira do cantor Chrystian, em particular, após ele ter parado de cantar na língua inglesa para se unir ao irmão numa dupla que fez retumbante sucesso. Obviamente, nunca fui um especialista do gênero, mas, considerava Chrystian & Ralf como a melhor dupla sertaneja do Brasil. E olha que tinha dupla, viu. Admirava o timbre invulgar, o alcance vocal, a perfeita afinação e harmonia dos irmãos. Em segundo plano, eu colocava Chitãozinho & Xororó como os meus prediletos, principalmente, por causa do Xororó, que até hoje mantém intacta a potente voz sempre muito afinada.
Me bate uma deprê quando um artista que admiro morre. E a neurastenia vai piorando com a idade. Os meus heróis não estão morrendo de overdose, mas, sucumbindo por moléstias próprias da senilidade. Quando eu soube do falecimento do Chrystian, ainda que ele não fosse um dos meus ídolos nas artes, fiquei verdadeiramente sentido. Além da capacidade vocal inconteste, admirava a simplicidade, o bom humor e o carisma do Zezinho. Zezinho era o apelido que José Pereira Neto usava antes de se tornar uma celebridade.
Melancólico, macambúzio, apanhei uma garrafa de vinho tinto e fui ouvir seleções com as melhores canções de Chrystian & Ralf. A despeito da mudança de estilo musical, o romantismo permanecia na maior parte das composições escritas na língua pátria, ou seja, no bom e velho português. Enquanto escutava as canções de um gênero musical com o qual guardava pouca afinidade, fiquei particularmente impressionado com a audição de “Poeira no vento”, uma bela versão brasileira para “Dust in the wind”, que marcou época na versão original da banda norte-americana Kansas. Som bom do caralho.
Reflexões existencialistas obrigatórias advieram na minha mente. Uma das poucas vantagens de envelhecer, além da mais completa indisposição para conviver com boçais reacionários e com gente hipócrita, chata, era fazer somente o que se tinha vontade, tornando-me mais livre, mais aberto às novidades e mais tolerante com determinadas diferenças conceituais — excetuando-se, obviamente, os boçais reacionários e toda aquela gente hipócrita e chata.
Não vou bancar o oportunista: a música sertaneja nunca foi a minha praia. Mesmo assim, sinceramente comovido com a morte do célebre conterrâneo, só me resta o reconhecimento público do seu talento, ao lhe prestar um tributo por meio desta crônica. Por fim, depois de várias doses de um cabernet chileno, fiz uma seleção muito particular, elencando as 10 melhores canções de Chrystian & Ralf em todos os tempos, ou melhor, desde que Zezinho passou a cantar música brasileira juntamente com o seu irmão. José Pereira era um goiano de pé-rachado muito invocado. Quisera tivéssemos nos encontrado em Goiânia. Penso que teria sido uma experiência agradável e divertida. Viva o Chrystian! Viva a música popular brasileira!