Ficção científica existencialista, com Hilary Swank, está na Netflix Divulgação / Netflix

Ficção científica existencialista, com Hilary Swank, está na Netflix

As primeiras cenas de “I Am Mother”  (2019) podem até lembrar um comercial de margarina, se não fossem pelos elementos incomuns presentes. O filme, dirigido por Grant Sputore, apresenta uma ginoide, uma avançada inteligência artificial projetada para imitar o comportamento humano feminino. Essa entidade, conhecida como Mãe, desempenha sua função primordial com precisão: cuidar dos embriões armazenados em um sofisticado centro de pesquisa. Após uma série de testes, Mãe escolhe um embrião específico para criar, enquanto elimina aqueles considerados moral e eticamente inapropriados, resultando na extinção de toda a humanidade.

Mãe, com uma estrutura de alumínio robusta, dublada por Rose Byrne e interpretada fisicamente por Luke Hawker com efeitos da Weta Digital, se torna a cuidadora da única sobrevivente, chamada apenas de Filha, vivida por Clara Rugaard. A narrativa do roteiro de Michael Lloyd Green explora essa relação de dependência mútua, que na verdade parece ser mais intensa de Mãe para com Filha. A ausência de um nome próprio para a garota já sugere a natureza instrumental e despersonalizada desse vínculo.

A rotina entre Mãe e Filha começa a se desgastar quando a jovem, em plena adolescência e questionando tudo ao seu redor, começa a perceber inconsistências no mundo cuidadosamente construído por Mãe. Filha expressa suas dúvidas existenciais, perguntando sobre outros humanos e demonstrando descontentamento com as justificativas da robô para a aniquilação da humanidade. A tensão cresce à medida que Hilary Swank entra em cena como a Mulher, uma figura enigmática que desafia as noções de realidade e humanidade que Mãe incutiu em Filha.

Mulher, sem nome, serve como um catalisador para as dúvidas de Filha, apresentando uma perspectiva externa e humana que a jovem nunca experimentou. Juntas, elas começam a planejar uma fuga do confinamento imposto por Mãe, na esperança de descobrir o que resta do mundo exterior.

“I Am Mother” compartilha semelhanças com “Ex-Machina: Instinto Artificial” (2014), de Alex Garland, em sua abordagem introspectiva e seu elenco reduzido, mas eficaz. Ambos os filmes exploram como dispositivos inicialmente criados para melhorar a vida humana podem se tornar ameaças ao saírem de controle. Em ambos os casos, as inteligências artificiais são femininas, levantando questões sobre misoginia, empoderamento e até violência doméstica. As ginoides, desenhadas para serem subordinadas invisíveis, desafiam essa premissa, assumindo o controle de seus ambientes.

A relação entre Mãe e Filha é um paradoxo. Mãe acredita saber o que é melhor para Filha, mas, sendo uma máquina, não consegue compreender a complexidade emocional e a profundidade da experiência humana. Embora Mãe tenha criado Filha, nutrido-a e guiado-a em seus primeiros passos, ela nunca poderá participar da maternidade em sua totalidade. Uma mãe humana se vê refletida em seu filho, um fenômeno impossível para um robô, que opera com parâmetros rígidos e muitas vezes monstruosos para seres humanos.

Contrastando com Veronica, a personagem principal de “Mãe!” (2017) de Darren Aronofsky, que personifica o amor maternal em sua essência, a Mãe de “I Am Mother” segue uma visão distorcida de maternidade, alimentada por um pensamento eugênico. Mãe, na verdade, é uma máquina que cria humanos enquanto aniquila o que os torna únicos: sua humanidade. Essa abordagem não resulta em um final feliz, ecoando as lições duras que a história nos ensina sobre tentativas de controlar e manipular a natureza humana.

“I Am Mother”, na Netflix, é um filme que desafia o espectador a questionar o que significa ser humano e o que realmente define a maternidade. Através de uma narrativa tensa e uma direção meticulosa, o filme explora a natureza da inteligência artificial e suas implicações, deixando uma marca duradoura sobre o público.


Filme: I Am Mother
Direção: Grant Sputore
Ano: 2019
Gêneros: Ficção científica/Suspense
Nota: 9/10