Felizmente, ainda há quem valorize mais do que apenas a estética, mansões luxuosas, carros de alto padrão e status social, avaliando com sinceridade o que alguém pode oferecer em um relacionamento amoroso. O desafio para esse comportamento revolucionário é, naturalmente, a opinião alheia e a interferência daqueles que, sem parâmetros sólidos para orientar suas próprias vidas, consideram escandalosa a união de duas pessoas que habitam corpos bastante distintos entre si. Assim, esses dois combatentes de Afrodite enfrentam uma série de provações.
“Ela É Demais Para Mim” aborda precisamente essa questão com uma narrativa leve, mas incisiva, onde preconceitos e noções distorcidas sobre o amor recaem sobre um homem doce, inteligente e esforçado, que, ironicamente, não acredita muito na magia cósmica que governa o destino dos seres humanos em sua busca pelo maior prazer da vida: o amor, uma sorte que muitos não têm. O protagonista do filme de Jim Field Smith parece convencido de que não merece certos privilégios, mas o roteiro de Sean Anders e John Morris faz com que o público simpatize com esse personagem atrapalhado e torça por ele, mesmo quando uma reviravolta absurda ameaça arruinar tudo.
Kirk tem a convicção de que vale nota cinco na absurda escala que avalia seres humanos como se fossem carros de luxo ou animais de raça. Grande parte dessa insegurança vem de seus amigos, homens de bom coração, mas superficiais, que também evoluem conforme a trama avança, conferindo à narrativa uma naturalidade ausente em produções similares. Esse homem comum, inspetor da TSA, a agência responsável pela segurança dos sistemas de transporte nos Estados Unidos, passa os dias supervisionando os passageiros no aeroporto de Pittsburgh, na Pensilvânia, uma função que exerce com um senso de dever quase sacerdotal, buscando atenuar sua miséria existencial.
Smith desenvolve bem esse núcleo, dando o devido espaço às conversas de Kirk com seus amigos, especialmente as reflexões quase filosóficas com Manchado, o solteirão relutante interpretado por T.J. Miller, que além de colega do protagonista, é músico amador e contagia a todos com seu humor ácido. Jay Baruchel, por sua vez, empresta a Kirk a dose certa de idealismo, gentileza e autodepreciação. Quando uma bela mulher deixa seu telefone na bancada de embarque ao passar pelo detector de metais, parece que os dias de relacionamentos passageiros de Kirk estão contados. Mas não é bem assim.
Grande parte da narrativa se concentra na urgência de Kirk em superar traumas do passado, personificados por Marnie, sua ex-namorada interpretada por Lindsay Sloane, que também trabalha no aeroporto — o maior ponto fraco do enredo, sem dúvida. Quando percebe que a dona do telefone está realmente interessada nele, surgem as dificuldades naturais entre dois adultos que desejam se conhecer melhor, exacerbadas pelo problema de autoestima de Kirk.
Molly, interpretada por Alice Eve, demonstra paciência com seu novo pretendente, formando uma boa parceria com Baruchel, especialmente na cena difícil em que, na cama, após se despirem, Molly revela sua sindactilia, quebrando o encanto. Claro que “Ela É Demais Para Mim”, disponível na Netflix, termina bem; no entanto, os ótimos diálogos sobre empatia, autorrespeito e, principalmente, a necessidade de aceitar suas próprias imperfeições e reconhecer as dos outros, resultam em uma espécie de sessão de psicanálise divertida, objetiva e surpreendentemente eficaz.
Filme: Ela É Demais Para Mim
Direção: Jim Field Smith
Ano: 2010
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 9/10