Premiado mundialmente, obra-prima do cinema nacional que poucos das novas gerações conhecem está na Netflix Divulgação / Animatógrafo Cinema e Filmes

Premiado mundialmente, obra-prima do cinema nacional que poucos das novas gerações conhecem está na Netflix

Walter Salles é um dos cineastas mais renomados do mundo na atualidade, mas, em 1995, com “Terra Estrangeira”, ele era apenas um jovem realizador em seu segundo longa-metragem, em busca de reconhecimento e de se firmar na carreira.

O cinema brasileiro, nesta época, passava por enormes percalços. O Brasil estava em seu segundo ano de governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e havia acabado de passar por um trauma gigantesco. Depois de 21 anos de Ditatura Militar, seu primeiro presidente eleito democraticamente, Fernando Collor (PRD), havia dado um golpe nos brasileiros, confiscando as poupanças e congelando preços de produtos nas prateleiras. As medidas econômicas controversas provocaram desdobramentos caóticos, aumentando os índices de pobreza no país e, igualmente, os de suicídios.

É neste cenário de devastação que Walter Salles constrói seu “Terra Estrangeira”. Veja bem, a Embrafilmes, a estatal brasileira que financiava as produções nacionais havia sido fechada por Collor. O setor cultural vivia um desmonte e quem ousava resistir tinha que buscar apoio no setor privado. E foi isso que Salles teve de fazer para conseguir sobreviver no mercado.

“Terra Estrangeira” não apenas retrata as consequências dessa política desastrosa, como é um produto de resistência a ela. Por isso e pela sua altíssima qualidade artística e intelectual, é, também, uma das obras mais relevantes do cinema nacional.

No enredo, acompanhamos a jornada de Paco (Fernando Alves Pinto), filho da costureira Manuela (Laura Cardoso). Ambos vivem em São Paulo, durante o governo Collor, e sonham em retornar à cidade dos antepassados na Espanha. Manuela vem economizando há anos para realizar o sonho que a conecta às suas raízes e sua infância. Quando o governo confisca todo o dinheiro que ela tem, Manuela não supera o baque e morre, deixando Paco desamparado.

Sem dinheiro e sem saber o que fazer da vida, ele aceita contrabandear pedras preciosas para Portugal escondidas dentro de um violino. Seus caminhos se cruzam com o de Alex (Fernanda Torres), que perdeu seu companheiro, Miguel (Alexandre Borges), um músico viciado em drogas e que foi assassinado. Paco se envolve romanticamente com Alex, mas quando eles perdem o violino, os dois acabam na mira de perigosos traficantes.

Há muitos conflitos, para além dos óbvios, dentro da trama. Paco e Alex não apenas estão fugindo de homens perigosos, mas eles  estão, ainda, fugindo de si mesmos, de seus passados, do Brasil, das dificuldades financeiras, de uma vida sem perspectivas — não muito diferente de vários outros brasileiros à época, que desistiram da vida no Brasil e foram buscar exílio no exterior.

Completamente em preto e branco, o longa-metragem não possui cores, porque deseja retratar de forma crua e dramática o vazio dessas vidas. A direção é compartilhada com Daniela Thomas, que acrescentou um tom mais espontâneo e improvisado.

Idealizado por Walter Salles, o enredo teve contribuições de Millôr Fernandes e Marcos Bernstein. Questionado sobre suas inspirações, Salles explicou que viu uma fotografia na capa de um livro, com um casal se abraçando em frente a um navio atracado na costa. Claramente, a imagem representou, para ele, exílio e as várias despedidas dos brasileiros — da pátria, de suas vidas, de seus entes queridos, de sua história.

Na emocionante cena em que Fernanda Torres canta um trecho de “Vapor Barato”, música-tema do filme, temos um resumo perfeito da história:  “Sim, eu estou tão cansado, mas não para dizer que eu estou indo embora. Eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus. […] Eu vou descendo por todas as ruas. Eu vou tomar aquele velho navio”.


Filme: Terra Estrangeira
Direção: Walter Salles e Daniela Thomas
Ano: 1995
Gênero: Ação/Policial/Drama
Nota: 10