Desligue o cérebro e divirta-se com o novo filme de mistério da Netflix Divulgação / Netflix

Desligue o cérebro e divirta-se com o novo filme de mistério da Netflix

Em “Uma Herança Inusitada” não é exatamente verdadeira a máxima de Liev Tolstói (1828-1910) sobre a semelhança fundamental entre as famílias ditosas e o signo da exclusividade que rege as pouco afortunadas. Analisando-se a questão com um pouco mais de cautela, conclui-se logo que, também no infortúnio, o microcosmo composto por três famílias e um tio excêntrico e milionário tem vários pontos de interseção entre si, em alguma proporção unidos pela vontade de enriquecer sem esforço. 

Uma fortuna que parecia distante torna-se uma possibilidade na vida dessas pessoas pouco dadas a conceitos a exemplo de ética, decoro, elegância, compostura, e assim Sylwester Jakimow urde uma história sobre laços que se estreitam ainda em tenra idade, mas que se vão perdendo com os desencontros da vida. As mais baixas ambições humanas crescem com tal força que no lugar de um qualquer vestígio de sentimento nobre floresce uma cadeia de enigmas, a partir do qual o roteiro de Lukasz Sychowicz confere ao filme o andamento meio farsesco à Agatha Christie (1890-1976), já explorado à farta em produções como “Entre Facas e Segredos” (2019) ou “Glass Onion: Um Mistério Knives Out” (2022), ambos de Rian Johnson.

O solitário Władysław parece que vai morrer, mas não já — e nem da forma como todos, inclusive, o espectador imagina. Antes que deixe este mundo, prepara uma espécie de gincana, por meio da qual seus sobrinhos, que chegam dos quatro cantos da Polônia, terão de desvendar segredos em aposentos escondidos até que um deles possa declarar-se, enfim, o novo proprietário de seu império. Antes que chegar a esse ponto, Jakimow mostra o clã involuntário de Władysław, de Jan Peszek, a digladiar-se com um toque de classe num posto de combustível, gancho de que o diretor se vale para apresentar a dezena de tipos os mais improváveis e telúricos a só tempo, como Dawid Klos, o decano do grupo. 

Maciej Stuhr incorpora o espírito do homem comum que cai tão bem em histórias dessa natureza, ancorando também a inteligência cartesiana que fareja possíveis golpes do velho, um inventor que tornou-se famoso por apresentar um programa de perguntas e respostas e riquíssimo graças à patente de geringonças como uma camisa à prova de choque, muito mais discreta e mais resistente que os coletes usados pelas forças de segurança para aparar tiros e golpes de armas brancas. Curiosamente, a tal peça é o passaporte para sua desgraça, e, então, os jogos têm início. Ao longo de 94 minutos, Dawid tenta liderar uma cruzada em que empenha-se por se sair vencedor dos desafios do tio Władysław e obter os direitos sobre as invenções do finado — que destinou o grosso do espólio a uma instituição filantrópica — ao passo que sabe precisar da cooperação dos outros para ter alguma chance. 

Emulando Hollywood, o longa polaco com o maior orçamento de 2024 (e contando) é muito barulho por quase nada, não obstante Stuhr e Peszek, nessa ordem, terem seus bons momentos em frequências opostas. Varsóvia é a nova Los Angeles, para o bem e para o mal.


Filme: Uma Herança Inusitada
Direção: Sylwester Jakimow
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 7/10