A melhor adaptação de Jane Austen e uma das maiores histórias de amor de todos os tempos está na Netflix Divulgação / Miramax

A melhor adaptação de Jane Austen e uma das maiores histórias de amor de todos os tempos está na Netflix

Publicado em 1817, o romance  “Persuasão” marca o fim da trilogia iniciada com  “Razão e Sensibilidade” (1811), com que a britânica Jane Austen (1775-1817) dá início à saga em que discorre sobre o amor em oposição às premências mais básicas da vida;  “Orgulho e Preconceito” (1813) segue nessa mesma direção, especulando acerca da honra de uma família outrora influente, mas em apuros de dinheiro, cuja única grande chance de mudar seu destino reside no casamento arranjado da filha mais velha e um homem de posses, que aparentemente a deseja, mas que não consegue afastar a sombra da mãe superprotetora da donzela.

Entre a leveza cínica de  “Orgulho e Preconceito” e a secura ancestral de  “Persuasão”, está o divertido  “Emma”, uma comédia saborosa acerca das miudezas da elite inglesa do princípio do século 19, em que Austen, já padecendo dos sintomas do mal de Addison, doença autoimune a respeito da qual nada se sabia duzentos anos atrás e que viria a matá-la dois anos depois, em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, diz verdades urgentes (e um tanto fesceninas) a respeito da sociedade de seu tempo, algo que fazia como ninguém. Douglas McGrath (1958-2022) destaca os pontos mais picarescos desse refinado vaudeville, em que nada é o que parece, e uma anti-heroína com ares de santa espalha seus sortilégios valendo-se de um estranho dom, até que, como se poderia supor, o caldeirão vira contra a feiticeira.

Malgrado o ótimo elenco de coadjuvantes, “Emma” é filme de uma atriz só. Gwyneth Paltrow, a personagem-título, se julga o deus possível para sua Highbury, distrito ao norte de Londres, um lugarejo aprazível malgrado as tentativas da garota quanto a fazer girar de acordo com a sua vontade o destino de quem cerca, sobretudo o amoroso.

Na pele da senhorita Woodhouse, Paltrow vai fazendo um bom laboratório para a Viola de Lesseps de  “Shakespeare Apaixonado” (1998), a inspirada comédia romântica dirigida por John Madden pela qual ganhou o Oscar de Melhor Atriz — e que brasileiros jecas adoram detratar, por ter sobrepujado “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, na disputa pelo prêmio de Melhor Filme (volto ao assunto no próximo artigo, sobre o longa protagonizado por Fernanda Montenegro, a então concorrente nacional da americana). Emma Woodhouse está determinada não a sair do caritó, no qual está muito confortável, mas a encontrar um noivo para Harriet Smith, uma amiga de infância, respeitável, mas de procedência duvidosa e, o pior, já entrada em anos para os padrões draconianos de há dois séculos.

O diretor-roteirista disseca o alvoroço provocado por Emma dourando a pílula o quanto consegue, tirando da gaveta dois personagens masculinos a certa altura, mas preservando sua estrela no centro do palco, que generosamente divide com a Harriet de Toni Collette. Nesse teatro das falsas boas maneiras, as pessoas valem o quanto dizem pesar, e Emma ganha o que merece — mas sai por cima. Jane Austen continua genial.


Filme: Emma
Direção: Douglas McGrath
Ano: 1996
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 10