Michel Houellebecq, em Submissão: distopia polêmica que pode nos melhorar como seres humanos

Michel Houellebecq, em Submissão: distopia polêmica que pode nos melhorar como seres humanos

“Submissão” é um romance distópico do escritor francês Michel Houellebecq, publicado em 2015. A obra gerou grande controvérsia e debate na França e no mundo, não apenas por seu conteúdo provocativo, mas também pelo contexto político e social em que foi lançada.

Michel Houellebecq, nascido Michel Thomas, é um escritor francês contemporâneo conhecido por suas obras provocativas e muitas vezes controversas, que exploram temas como alienação, desilusão social, tecnologia e globalização.

Michel Houellebecq nasceu em 26 de fevereiro de 1958, em Saint-Pierre, na ilha Reunião, um departamento ultramarino francês no Oceano Índico.

Ele se formou na Universidade de Paris-X-Nanterre em 1981 com uma licenciatura em agronomia e depois em 1985 com um mestrado em ciência política. Ele trabalhou brevemente como técnico de informática antes de se dedicar completamente à escrita.

Michel Houellebecq
Submissão, de Michel Houellebecq (Alfaguara, 256 páginas)

Houellebecq publicou com êxito seu primeiro romance, “Extensão do Domínio da Luta”, tendo sido bem recebido pela crítica. No entanto, seu segundo romance, “As Partículas Elementares” (1998), foi o que o catapultou para a fama internacional. Este livro provocativo explora temas como a sexualidade, a tecnologia e a decadência moral da sociedade moderna.

Houellebecq é conhecido por seu estilo direto e muitas vezes cínico, além de sua capacidade de provocar debates sobre questões sociais e morais. Ele frequentemente utiliza personagens isolados e desiludidos para explorar as ansiedades da sociedade contemporânea.

Houellebecq tem uma reputação de ser um autor polêmico, não apenas por causa de suas obras, mas também por suas declarações públicas. Ele é frequentemente criticado por suas visões sobre questões como o Islã, feminismo e política, que muitas vezes são consideradas provocativas e até mesmo provocadoras.

Apesar das controvérsias, Houellebecq é um dos autores franceses mais lidos e traduzidos internacionalmente. Ele recebeu vários prêmios literários importantes, incluindo o Prêmio Goncourt em 2010 por seu romance “O Mapa e o Território”.

Michel Houellebecq é um escritor cujas obras desafiam convenções literárias e sociais, explorando as tensões e as contradições da vida contemporânea. Sua influência se estende além da literatura, influenciando debates culturais e políticos na Europa e além.

“Submissão” foi publicado no dia 7 de janeiro de 2015, coincidentemente, no mesmo dia do ataque terrorista ao jornal satírico Charlie Hebdo em Paris. Esse contexto inflamatório contribuiu para a recepção polarizada do livro, que já tratava de temas sensíveis como religião, política e identidade nacional.

A história se passa na França em 2022, onde a situação política está em um estado de colapso. No segundo turno das eleições presidenciais, a Fraternidade Muçulmana, um partido fictício, vence o partido de extrema-direita Frente Nacional. Mohammed Ben Abbes, líder da Fraternidade Muçulmana, torna-se presidente e inicia uma série de reformas que transformam radicalmente a sociedade francesa.

O personagem protagonista

François: o protagonista é um professor universitário especializado em literatura de Joris-Karl Huysmans. Ele representa o típico intelectual desencantado, vivendo uma vida solitária e sem propósito. Através de François, Houellebecq explora temas de apatia, identidade e a busca por sentido em um mundo em mudança.

Através da trajetória do personagem protagonista vemos temas basilares para a obra, tais como:

Islamismo e política: Houellebecq imagina uma França governada por um partido islâmico moderado, onde a sharia é introduzida gradualmente. A educação é segregada por gênero, e as mulheres são encorajadas a abandonar o mercado de trabalho.

Outro tema-chave é o da submissão e da conversão: o título “Submissão” refere-se tanto à tradução literal do termo “Islã” quanto à ideia de submissão pessoal e cultural. François, desiludido e sem direção, acaba considerando a conversão ao Islã como uma forma de encontrar propósito e estabilidade.

Uma grande crítica à sociedade contemporânea é fruto do engenho do autor. Houellebecq critica o secularismo e o liberalismo ocidental, sugerindo que a falta de valores sólidos deixa a sociedade vulnerável à submissão a sistemas mais autoritários.

Há uma provocação quanto ao problema do declínio da cultura ocidental. O livro explora a ideia de que a cultura ocidental está em declínio, incapaz de oferecer um sentido profundo de identidade e pertencimento aos seus cidadãos.

“Submissão” recebeu reações mistas. Alguns críticos elogiaram Houellebecq por sua coragem em abordar temas controversos e por sua habilidade em provocar reflexão e debate. Outros o acusaram de islamofobia e sensacionalismo, argumentando que o livro alimenta estereótipos negativos sobre o Islã e os muçulmanos.

Há diversos pontos de tensão, provocação e reflexão. Houellebecq é conhecido por sua habilidade em provocar debates acalorados, e “Submissão” não é exceção. O livro força os leitores a confrontar questões difíceis sobre identidade cultural, política e religião.

Ficção e realidade se aproximam de forma tensa, e a estrutura do romance demonstra grande força na sustentação dessa tensão. A proximidade do enredo com eventos reais e a atmosfera política contemporânea da Europa aumentaram a relevância e a controvérsia da obra.

“Submissão” é uma obra que desafia os leitores a refletirem sobre o futuro da sociedade ocidental, a natureza da política e o papel da religião na vida pública. Michel Houellebecq, com seu estilo característico, combina provocação e análise social para criar um romance que, independentemente de suas intenções, conseguiu capturar a imaginação e a atenção do público de maneira profunda e duradoura.

Além do conteúdo polêmico, o romance se destaca pela sua estrutura e estilo característicos, que são marcas registradas do autor. Vejamos um breve panorama desses aspectos:

Estrutura

Narração em primeira pessoa: o romance é narrado pelo protagonista François, um professor universitário de literatura. Esta escolha de narração permite uma visão íntima e subjetiva dos eventos e das reflexões do personagem principal.

Divisão em capítulos: a obra é dividida em sete partes, que se desenvolvem de maneira cronológica. Cada parte marca uma etapa importante na transformação pessoal de François e na mudança política da França.

Desenvolvimento progressivo: a narrativa começa de maneira relativamente estática, apresentando a vida pessoal e profissional de François, e gradualmente se intensifica à medida que a situação política na França se deteriora. Esta progressão permite que o leitor acompanhe o impacto das mudanças sociais tanto no nível macro (sociedade) quanto no micro (vida pessoal do protagonista).

Inserção de reflexões literárias: François, sendo um especialista em Huysmans, frequentemente faz paralelos entre sua própria vida e as obras de Huysmans. Essas inserções literárias não apenas aprofundam a caracterização de François, mas também oferecem um comentário meta-literário sobre os temas do livro.

Estilo

Realismo cru: Houellebecq é conhecido por seu estilo realista e direto, e “Submissão” não é exceção. O autor descreve eventos, personagens e sentimentos de maneira franca, sem embelezamentos, o que cria uma sensação de autenticidade e proximidade.

Tom melancólico e cínico: o tom do livro é marcado por uma melancolia e um cinismo profundos. François é um personagem desencantado com a vida, o que se reflete em sua visão cética e muitas vezes pessimista da sociedade e das relações humanas.

Linguagem simples e clara: a linguagem usada por Houellebecq é acessível e direta, facilitando a leitura e permitindo que a complexidade das ideias seja transmitida de maneira eficaz. Ele evita o uso excessivo de jargão acadêmico, mesmo quando François discute temas literários.

Sátira e ironia: o livro é permeado por uma sutil sátira e ironia, que Houellebecq utiliza para criticar a sociedade contemporânea, o sistema político e a decadência cultural. Este estilo irônico é particularmente eficaz em criar momentos de reflexão crítica no leitor.

Descrições vivas: Houellebecq oferece descrições detalhadas e vívidas, especialmente quando se trata das transformações sociais e das interações humanas. Sua habilidade de captar nuances do comportamento e das emoções humanas contribui para a profundidade dos personagens.

Diálogos verossímeis: os diálogos no romance são realistas e contribuem significativamente para o desenvolvimento dos personagens. Através das conversas, Houellebecq consegue explorar temas complexos de maneira orgânica.

Temáticas literárias — identidade e submissão: o tema central do livro é a submissão, tanto em termos políticos quanto pessoais. François representa a apatia e a falta de direção que, segundo Houellebecq, caracterizam a sociedade moderna.

Religião e poder: a obra explora como a religião pode preencher o vazio deixado pela falta de valores na sociedade secular e como essa dinâmica pode ser explorada politicamente.

Crise da masculinidade: Houellebecq também aborda a crise da masculinidade, refletida na vida pessoal e sexual de François. A busca por identidade e propósito se mistura com uma crítica à fragilidade da masculinidade moderna.

A estrutura e o estilo de “Submissão” são fundamentais para a eficácia do romance de Michel Houellebecq. A narração em primeira pessoa, a progressão narrativa cuidadosa e o tom melancólico criam uma obra que é ao mesmo tempo intimista e provocativa.

A linguagem clara, a ironia e as descrições detalhadas fazem de “Submissão” uma leitura envolvente que desafia o leitor a refletir sobre temas complexos como identidade, religião, política e a natureza humana.

Ler “Submissão” de Michel Houellebecq pode lapidar nossa subjetividade por várias razões.

Estimula o pensamento crítico ao apresentar um cenário futurista, onde um partido islâmico moderado assume o poder na França. Isso nos incentiva a pensar criticamente sobre a política, a religião e a sociedade, questionando nossas próprias crenças e preconceitos. Explora temas contemporâneos ao abordar questões relevantes, como a crise da identidade cultural europeia, o secularismo e a influência do islamismo. Entender essas questões pode nos tornar mais informados e empáticos em relação aos desafios globais contemporâneos. Reflete sobre o sentido da vida quando vemos o protagonista, François, passar por uma jornada de busca por sentido e propósito. Sua trajetória nos convida a refletir sobre as nossas próprias vidas, ambições e o que consideramos importante. Desconstrução de nossos preconceitos, já que, através de seus personagens e situações, Houellebecq desafia nossa facilidade em impregnar o mundo de estigmas, forçando-nos a reconsiderar estereótipos e simplificações apressadas sobre diferentes culturas e modos de vida. O livro serve de estímulo ao diálogo, servindo como um ponto de partida para discussões profundas sobre temas complexos, promovendo o diálogo e a compreensão entre pessoas com diferentes perspectivas. Movimenta e evolui nossa capacidade de apreciação literária, pois diante da escrita de Houellebecq, provocativa e estilisticamente rica, podemos aprimorar nossa sensibilidade literária e capacidade de apreciar a literatura como forma de arte.

“Submissão” é um livro que obriga seus leitores a se engajarem com questões fundamentais sobre a direção da civilização moderna. Isso, em tempo de temperamentos mornos e espíritos enjaulados, ganha ares de um grande feito. Ler “Submissão” nos desafia a sair de nossa zona de conforto intelectual e emocional, estimulando o crescimento pessoal através da reflexão e do diálogo.