Filme com Jon Hamm e Rosamund Pike na Netflix é um pequeno diamante para os olhos e o cérebro Sife Eddine El Amine / Bleecker

Filme com Jon Hamm e Rosamund Pike na Netflix é um pequeno diamante para os olhos e o cérebro

Abordar temas desconhecidos, mesmo sob o pretexto da curiosidade sociocientífica, é arriscado. O outro, o diferente, o estranho, nem sempre precisam de representantes além de si mesmos. Quando isso acontece, frequentemente se observa arbitrariedade, truculência e violação de direitos fundamentais, independentemente de estar sob a mesma bandeira do lado dominante. Guerras têm persistido ao longo do tempo, alimentadas por argumentos diversos, levando os mais judiciosos a concluir que, mais do que a materialização de ideologias em choque, as guerras são oportunidades de negócios, de autoafirmação internacional, de desafiar o status quo — que inclui a paz, obviamente, mas também afeta a política, a geopolítica e a economia. Ademais, representam o exercício da ilimitada boçalidade humana, que confere à barbárie uma aura de brincadeira inocente. “A guerra é divertida”, alguém disse certa vez. As consequências dessa piada compõem a verdadeira hecatombe.

“Beirute” (2018), o thriller dirigido por Brad Anderson, destaca-se por trazer à tona o conflito histórico entre os Estados Unidos e o Oriente Médio. A capital libanesa de 1972 é muito diferente da cosmopolita cidade de hoje, mas o diretor consegue transportar o público para aquela época, graças ao excelente trabalho de direção de arte, revelando possíveis semelhanças entre os eventos no coração do Líbano, um dos mais importantes elos entre a Ásia muçulmana e o Ocidente. Anderson inicia o filme com o diplomata americano Mason Skiles, interpretado por Jon Hamm, descrevendo Beirute como uma “pensão sem dono”. O pano de fundo da crítica à política internacional americana de meio século atrás vai ganhando força, sugerindo que o roteiro de Tony Gilroy é uma provocação calculada. Não fica claro de imediato se o objetivo é corroborar o desprezo pelas necessidades da população libanesa — e, por extensão, de todas as nações do Oriente Médio, exceto Israel — ou se Gilroy faz uma autoironia mordaz. Se for o caso, questões fundamentais como a postura dos Estados Unidos diante da resistência cultural libanesa em 1972 ficam em segundo plano.

Uma década depois, em 1982, no auge da Guerra Civil Libanesa (1975-1990) — intensificada por mudanças na composição demográfica do país, relacionadas ao influxo de refugiados muçulmanos palestinos desde 1948; ataques de muçulmanos contra cristãos maronitas; e interferência da Síria, Israel e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) —, Skiles, considerado o único capaz de ajudar a resolver as hostilidades, é forçado a lidar com os conflitos com sua esposa Nadia, uma libanesa interpretada por Leïla Bekhti, e o afeto que ambos desenvolvem por Karim, um jovem interpretado por Yoav Sadian.

Karim, que antes era um aplicado pupilo de Skiles, torna-se um alvo fácil para o terrorismo, seguindo o exemplo de seu irmão mais velho, que organizou o ataque do Setembro Negro aos onze atletas israelenses nas Olimpíadas de 1972 em Munique, Alemanha. Os onze membros da delegação olímpica de Israel, além de um policial alemão, foram mortos. O temor de Skiles se confirma quando Karim, agora interpretado por Idir Chender, sequestra seu amigo Cal, papel de Mark Pellegrino, também membro do corpo diplomático dos Estados Unidos no Líbano. Personagens duvidosos como Donald (Dean Norris), Gary (Shea Whigham) e Frank (Larry Pine) tornam qualquer chance de conciliação ainda mais remota. No entanto, a entrada da agente da CIA Sandy Crowder (Rosamund Pike) — igualmente astuta, mas menos desonesta — sugere um desfecho mais pragmático para a guerra e para a agonia de Skiles.

Possivelmente uma resposta a “Munique” (2005), o épico policial de Steven Spielberg, “Beirute” se assemelha a produções contemporâneas que, embora não necessariamente simbólicas para a história da humanidade, demonstram o desmantelo do status quo por meio da violência organizada, como o documentário “Reféns de Gladbeck” (2022), dirigido por Volker Heise. É curioso notar que, de uma forma ou de outra, a Alemanha estava frequentemente envolvida em eventos desse tipo; no caso de Beirute, e de todo o subcontinente onde está localizado, o tempo é um conceito subjetivo e mórbido em que o passado eterno está sempre presente.


Filme: Beirute
Direção: Brad Anderson
Ano: 2018
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 9/10