Obra-prima de Steven Spielberg, com Meryl Streep e Tom Hanks, está na Netflix e vale cada minuto do seu tempo Divulgação / Dreamworks Pictures

Obra-prima de Steven Spielberg, com Meryl Streep e Tom Hanks, está na Netflix e vale cada minuto do seu tempo

O advento da imprensa livre é uma das heranças mais significativas da Revolução Francesa (1789-1799). Com a formulação do artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ratificada em 26 de agosto de 1789, a liberdade de imprensa tornou-se um pilar essencial para qualquer sociedade que aspire à democracia. Nos Estados Unidos, uma das democracias mais estabelecidas, embora não sem suas falhas, essa liberdade é valorizada com a devida reverência.

Essa insistência em priorizar o interesse público origina uma competição saudável pela exclusividade, uma necessidade profunda de expor o comportamento dos políticos e poderosos quando fora dos holofotes, e é nesse contexto que “The Post — A Guerra Secreta” ganha relevância. De maneira semelhante ao que Spielberg fez em “Munique” (2005) e “Lincoln” (2012), ele aborda dramas históricos com rigor intelectual, sem abrir mão do entretenimento. Com o roteiro de Liz Hannah e Josh Singer, Spielberg ilumina os bastidores de um dos maiores escândalos da América, demonstrando que a independência jornalística, combinada com coragem, é a melhor resposta aos excessos das elites.

Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957) escreveu em “O Leopardo”, publicado postumamente em 1958, que algumas coisas mudam para que tudo permaneça igual. A internet, reconhecidamente permanente, trouxe um novo paradigma antes inimaginável: um mecanismo autorregulado, com receita muito superior à da televisão, impondo suas próprias regras e transformando as relações trabalhistas de maneira avassaladora, num darwinismo de mercado implacável. Nesse cenário, os repórteres tornaram-se ainda mais essenciais.

Histórias com um fundo moralizante, das quais o público extrai lições para a vida, têm sucesso exatamente pela forma como, partindo de premissas individuais, chegam a inferências amplas e universais, cujo alcance ultrapassa o óbvio.

Katharine Graham (1917-2001) é uma das figuras mais complexas da história americana, como Spielberg revela ao revisitar os Pentagon Papers. Nesse episódio, ficou claro que o governo dos EUA conhecia bem suas falhas estratégicas na Guerra do Vietnã, mas continuou a iludir sobre uma vitória possível. Daniel Ellsberg, então no “The New York Times”, divulgou metade das catorze mil páginas de relatórios secretos, e após deixar o jornal sob ameaça de prisão, foi procurado pelo “The Washington Post”. Não foi Graham, temerosa das repercussões políticas e financeiras, mas o editor-chefe Ben Bradlee, quem buscou Ellsberg.

Meryl Streep, que se transforma em qualquer personagem que interpreta, é superada por Tom Hanks, cuja performance como Bradlee, cheia de humor e intensidade, captura o espírito do editor. Spielberg, ao criar um filme coeso que prende a atenção e incita a reflexão sobre a importância do jornalismo independente, vence a batalha.


Filme: The Post — A Guerra Secreta 
Direção: Steven Spielberg 
Ano: 2017 
Gêneros: Thriller/Guerra 
Nota: 8/10