Faroeste na Netflix te fará lembrar Sergio Leone e Quentin Tarantino Lewis Jacobs / Universal Pictures

Faroeste na Netflix te fará lembrar Sergio Leone e Quentin Tarantino

“Terra Violenta” abre com um forasteiro cruzando o deserto rumo a alguma parte no território mexicano. Em dado ponto da jornada, confrontado por um padre cuja égua não se move, exaurida pelo calor, estanca. Esse homem bastante sibilino, algo diabólico, apeia do cavalo, troca umas palavras com o religioso, oferece-lhe um minuto de atenção e, enquanto tenta processar o que se desenrola, e é surpreendido pelo ataque do pregador, que saca da pistola e exige que o estranho ceda-lhe sua alimária. 

Essa crítica nada sutil aos falsos profetas que grassam nos tempos de dificuldade rompe o filme de Ti West, um faroeste que amalgama o melhor de Sergio Leone (1929-1989), Don Siegel (1912-1991) e Quentin Tarantino, mas que não abdica de suas próprias concepções a respeito da vida num inóspito pedaço de chão, sem lei e falto de esperança, onde o darwinismo social reina e os mais fortes subjugam os mais débeis (e a polícia, e quiçá a própria natureza) até que estejam todos devidamente paralisados de medo. Em seu roteiro, cenas primorosas nascem de um clichê surrado, com o reforço da ótima trilha de Jeff Grace, e de uma coadjuvante que captura os olhares e salva o anti-herói já de imediato.

A maior qualidade de “Terra Violenta” é não se levar a sério. Uma vez livre do farsante interpretado por Burn Gorman em participações bissextas, mas cada vez melhores, o cavaleiro misterioso que tem o filme em sua garupa chega a Denton, um povoado no Texas, no centro-sul americano, depara-se com o horror de anos de descaso e barbárie que sucederam à Corrida do Ouro, quando um imenso fluxo de homens jovens deslocou-se para a Califórnia em meados do século 19, entre 1848 e 1853, à procura de boa sorte e riqueza. 

O diretor-roteirista não define ao certo quando se passa a história, mas a maneira como um sujeito calejado pelas tantas batalhas perdidas lida com seu fracasso existencial é o argumento que West usa para convencer a audiência quanto às boas intenções de Paul, o caubói off label de Ethan Hawke. Sob esse aspecto, o longa tem algumas semelhanças com “Ataque dos Cães” (2022), a bela adaptação de Jane Campion para a novela “The Power of the Dog” (1967), de Thomas Savage (1915-2003), inclusive pela lembrança do cachorro como parceiro incondicional do homem enquanto erra pelo vale de lágrimas sem fim que é este mundo. 

A única criatura sábia o bastante para absorver os anseios de Paul é Abbie, “vivida” pela esperta Jumpy, e no momento em que a cadelinha sai de cena, deixa mais saudade que o Marechal a que John Travolta, ótimo ao encarnar o caos imanente do lugarejo, dá corpo, ou Mary-Anne, a mocinha sonhadora de Taissa Farmiga. Essa mistura de crueza e lirismo, humor e sangue, deixa em quem assiste o gosto de quero mais do absurdo que é viver, a despeito das circunstâncias.


Filme: Terra Violenta 
Direção: Ti West
Ano: 2016
Gêneros: Faroeste/Ação
Nota: 9/10