Fim de ano é uma época sagrada. Ninguém deveria ficar desempregado, sozinho ou doente. Também não deveriam acontecer acidentes nem divórcios, brigas ou coisa parecida. Tinha que ser proibido morrer em dezembro. E ponto final. Um decreto das leis divinas estampado em letras garrafais dizendo assim: “No mês de dezembro só os nascimentos são autorizados. Mortes a partir de janeiro. Atenciosamente, a Direção”. Pelo menos no último mês do ano a gente bem que merecia uma folguinha, um respiro, um pouco de descanso após onze meses de tantas preocupações. É que nesses dias todo mundo vive de sonhos, e nenhum sonho, também, deveria morrer.
Quanta gente se foi esse ano… Quantos anos se foram em um só dia. Quantas vidas se despediram em fração de segundo. Quantos segundos se tornaram eternos. Quanta gente. Gente de perto e gente de longe. Gente importante para o mundo e gente que foi o mundo da gente. Caminhos pela metade. Uns ainda engatinhando. Outros, no final do percurso. Estrada cheia de vida pela frente. Vida já cansada de tanta estrada. O adeus agendado. A partida num piscar de olhos. O abraço que guardamos. O beijo que economizamos. O café que ficou para depois. A desculpa engolida a seco. O perdão entalado no orgulho. O amor que ficou esperando o fim de semana chegar.
Quantos sonhos morreram dobrando a esquina, fazendo a curva sinuosa, pegando a saída errada. Alguns morreram dormindo, outros, na secura do inverno rigoroso. De cansaço, de stress, de fome, tristeza, solidão, embriaguez. Eu sei que muitos sonhos morrem durante o ano para que outros possam nascer exatamente nesta época. Você não sabia? Os sonhos são caridosos e gentis. Quando estão velhinhos eles dão a vez aos jovens, que têm mais vigor e esperança, e que por serem moços, não desanimam com a cara feia da realidade. Ainda assim, com toda a sua generosidade, nenhum sonho deveria morrer.
Por isso essa é uma época mágica. Porque mesmo com a exaustão de todo um ano de perdas, é em dezembro que a magia dos sonhos nasce dentro da gente. Nos tornamos pessoas melhores quando sonhamos. Ganhamos vida novamente, o ar entra nos pulmões pelo caminho certo, os olhos brilham como se estivéssemos apaixonados. E estamos! Por nós mesmos e pela nossa capacidade de recomeçar. Sonhar é acreditar que tudo pode ser diferente, que a vida pode e deve ser melhor.
Esqueça o que não foi e o que já foi também. Abrace, beije, perdoe e agradeça. Sonhe, viva, seja, faça. Neste fim de ano não economize sentimentos.
Feliz ano novo, feliz eu de novo!