Vai começar de novo. Põe a lentilha no arroz, joga o caroço da uva pra trás, pula sete ondas e pede bênção a Iemanjá. Arruma o armário, limpa a estante, organiza os arquivos do computador. Corta o cabelo, hidrata a pele. Compra vestido branco, lingerie vermelha, sapato amarelo e garante logo os três elementos para uma vida plena. Troca o lençol e a foto de perfil do Facebook. Faz revisão do carro, costura a saia rasgada, termina o livro largado no meio.
Vai começar de novo. Perdoa quem te fez sentir-se triste, olha pra frente, esquece as palavras mal ditas. Encerra a briga com irmão por causa de dinheiro, abraça o colega que te olha torto, liga pra avó que se sente sozinha e salva o dia dela. Resgata um cachorro ferido, separa o lixo, presta atenção no teu sexto sentido. Compra a coletânea de poesias de quem ganha a vida tecendo rimas para preencher corações. Fala que gosta, abre mão dessa besteira de jogar com o outro, combina e vai.
Vai começar de novo. Bebe mais líquido, corre, mergulha na piscina de bolinhas. Canta alto no banho, faz promessa pra Santo Antônio, compra o ingresso da festa open bar, beija mais vezes sem medo do que possa parecer. Para de molhar só o pé, entra de cabeça. Desencalha a viagem adiada e voa rápido, muda de cidade ou de casa ou de lado na cama. Ressuscita tua fé, reconhece teus méritos, enxerga todo o valor do que foi feito até hoje com sacrifício e coragem.
Vai começar de novo. Verbaliza o amor, concretiza ideias, sai do lugar. Olha no espelho, aprecia a imagem, abre mão da tolice de querer ser o oposto de tudo o tempo todo. Acredita: o clichê de que vem na hora certa é verdade. A crendice de que nada tem volta é mentira. Acalma essa agonia, ri pro futuro, desce do muro, agradece se foi bom, risca o ruim. Leva doce na marmita, aceita os erros cometidos, apazigua o ímpeto de buscar perfeição. Falha, tropeça, titubeia. Corrige. Funciona.
Vai começar de novo. Celebra com amigos, sente a sorte de ter gente ao teu lado, grava um áudio para os que não estão perto. Por Deus, não deixa pra depois. Usa teu perfume preferido, lava a alma, sonha alto. Entende o recado da dor realçando alegrias. Chora, reclama, esperneia. Mas só por meia hora. Repara no copo meio cheio e brinda. Festeja cada dia, faz valer de janeiro a dezembro. Quando menos se espera acaba outra vez, de repente. Vai começar de novo. Tudo sempre tão igual, tudo muito diferente.