Escrever biografias pode ser um desafio, especialmente quando tratam de figuras históricas distantes, cuja vida é difícil de reconstruir devido à escassez de registros detalhados. Em alguns casos, documentos como cartas, diários e testemunhos ajudam a formar um retrato mais claro de tais figuras. No entanto, a história de Mary Anning, uma paleontóloga e caçadora de fósseis da era vitoriana, é um exemplo onde essas informações são limitadas. No filme “Ammonite”, o diretor Francis Lee utiliza sua imaginação para criar uma narrativa ficcional sobre a vida de Anning.
Protagonizada por Kate Winslet, Mary Anning é retratada como uma mulher cujas descobertas foram cruciais para a ciência, influenciando inclusive Charles Darwin e sua teoria da evolução. Mesmo com essa importância, Anning foi marginalizada pela comunidade científica do século 19 por ser mulher. O filme de Lee mostra Anning como uma figura inspiradora, embora relegada a uma vida de pobreza. Suas contribuições nunca foram formalmente reconhecidas pela Sociedade Geológica de Londres, e muitos de seus trabalhos importantes não foram creditados a ela.
Mary Anning permaneceu solteira durante sua vida. Reconhecendo as injustiças de gênero que Anning enfrentou, Francis Lee decidiu criar um romance fictício entre ela e Charlotte Murchison (interpretada por Saoirse Ronan) para enriquecer a narrativa biográfica. Na realidade, Anning e Murchison eram amigas. Charlotte, esposa de Roderick Murchison, acompanhava o marido em escavações e se tornou uma confidente e parceira de Anning na caça de fósseis.
No filme, Roderick Murchison é retratado como um marido egoísta que abandona Charlotte para se recuperar de um esgotamento físico e mental na costa onde Anning vive. Ele pede a Anning que cuide de sua esposa durante sua ausência, o que inicia uma amizade que evolui para um romance profundo entre as duas mulheres. Ambas enfrentam a solidão e a exclusão de uma sociedade patriarcal, encontrando apoio e compreensão uma na outra. Este romance fictício é uma criação de Lee, que escolheu não dar a Anning um romance heterossexual, considerando o contexto histórico de opressão que ela viveu.
Apesar do tom solitário e contemplativo de “Ammonite”, a verdadeira Mary Anning era bem relacionada e respeitada por muitos. Quando foi diagnosticada com câncer aos 47 anos, seus amigos e membros da comunidade geológica de Londres arrecadaram fundos para seu tratamento, demonstrando o apreço que tinham por ela.
Na Netflix, “Ammonite” se destaca pela sua cinematografia impressionante e gélida, assinada por Stéphane Fontaine. Com uma abordagem naturalista e uma paleta de cores frias, a fotografia realça as paisagens costeiras, reforçando a sensação de isolamento social enquanto cria um ambiente íntimo e contemplativo para as protagonistas.
Filme: Ammonite
Direção: Francis Lee
Ano: 2020
Gênero: Biografia/Drama/Romance
Nota: 8/10